sábado, 31 de janeiro de 2009

Esclarecimento Inicial

Eu, Dr. Voldo, vou à praia, entro na água, passo o pau na areia e estupro o público-alvo. Não se faz literatura pra ninguém. Não faz diferença se eu queimo ou publico ou vendo. E é por isso que vocês merecem cada grãozinho dessa areia. E eu sei que vocês gostam.

Reviews

“Life is just boring fiction. This is the real deal” – Dr. Voldo

“Um supérfluo memoir onírico sobre um cara normal que teve sua chance, falhou miseravelmente, saiu da caverna e agora quer de volta o gostinho sangrento da picanha da matrix. Com bastante sal, eu suponho. Estes tipos tendem a gostar de sal.” - Dr. Hans

“Um abuso! Este tipo de gente deveria ser castrada!” – Vicky

Prefácio

Como filho autêntico e pouco orgulhoso dos fins do século XX, eu não possuo uma máquina de escrever e jamais saberia o que fazer com uma. E minha ortografia seria com muita boa vontade qualificada como pavorosa quando comparada a de um anestesista prescrevendo sabe lá o Inefável que derivação opiácea a outro anestesista. O que nunca foi problema suficiente para que eu me propusesse a resolvê-lo. E continuará assim, provavelmente, até o fim dos tempos (‘Quando’ estarei, se tudo correr bem, em Valhala – morto em um conflito épico entre instrumentos de metal).

Mas o notebook não está aqui. Pois Vejam, crianças, a fina ironia de vosso onipotente Pai: eu tive uma chance de ser normal e minha ortografia fez com que eu falhasse. E isto acabou por me tornar um escritor – sempre, é claro, num computador. Mas um escritor, nonetheless. Um escritor sem target, admito; um escritor sem público-alvo, sem público algum, que escreve para quem não é e talvez jamais será. Eu sou o nemesis do produto, da arte direcionada a um ou outro segmento de uma massa de sonâmbulos compulsivos por riquezas, utilidades, por serviço. “Para que serve isto”, “a quem se dirige isto”, etc. etc. E eu molho meu pau, passo na areia e estupro o target. Bem como as prostitutas do capital estupram o real com seus paradigmas asquerosos.

Enfim - o notebook não está aqui devido à minha decisão de me tornar normal: porque, sem saber muito bem o que é ser normal, decidi me aproximar de uma família que há muito havia esquecido (a minha, é claro). Priminhos em linha de produção, os estabilizadores de casamento. Todos os tios, ao mesmo tempo, ano após ano produzindo mais primos. É claro que eu não saberia o nome de nenhum, mesmo porque eu sou horrorizado tanto pelo que fazem com as crianças para ‘educá-las’ quanto pelo que elas são. E assim levei meu notebook para ensiná-las a baixarem músicas e gravarem CDs. E aí novamente entra a preciosa ironia do Infinito, pois eu estava lá, ensinando crimes a minhas priminhas cristãs, para ser normal. Isso tudo lindo aos olhos da mesma tia que me erradicaria do testamento de adão caso eu praticasse outro crime. E eu, o imbecil, esqueci meu notebook lá.

E eu poderia entediá-los com tsunamis de caminhadas com o avô, passeios com a avô e jantares com tios, mas não o farei.

Eu gosto de respeitar minhas decisões, e isto me custou o notebook num momento catártico. Não seria lá uma grande inconveniência, já que eu possuo outro computador. Com dois teclados diferentes, ambos à prova d’água. E, sempre, estejam atentos a estes sinais minhas crianças, pois nesses vãos reside a arte do Criador: é por isso que nenhuma de nossas piadas jamais poderá se comparar às Dele. Porque a tortuosidade de suas linhas nos promove muito mais em qualquer direção do que qualquer escritor jamais poderia proporcionar (salvo talvez James Joyce): semana passada derramei água (um praticante crônico de sexo, uso de maconha e brigas intermináveis deve sempre ter em mente a hidratação) em ambos os teclados, ao mesmo tempo. E ambos me falharam, como um camponês falharia ao seu senhor vomitando bile por sobre toda a sua plantação de alguma dessas coisas que nascem das sementes e viram comida. Riam, minhas crianças, pois tudo isto que agora vocês lêem foi escrito à mão. E não teria sido perfeito se não fosse à mão – sendo a ortografia este meu grande vilão, o responsável imediato e singular pelo assassinato de minha normalidade, em primeiro grau. Seria esta minha redenção, escreveria à mão e me tornaria normal.

Mas crianças, nosso tempo é curto. Muitas drogas diferentes, lícitas e ilícitas correm por minhas veias neste momento. Não demorará muito até que eu me torne um selvagem inconsciente, e sabe lá deus o que ele escreverá a vocês. Mas ele irá dormir, e amanhã estará oficializada minha busca pela restauração da normalidade. E rezem, meus pobres filhos, para que eu entenda estas palavras confiadas a uma abominação mais incompetente do que qualquer estereótipo de incompetência em uma piada racista de seu bisavô (minha ortografia). Mas fiquem tranqüilos, pois se já estão lendo isto é porque eu entendi ao menos o suficiente.

Aparentemente eu ainda estou funcional demais. Preciso demais drogas. Que são como seios, aliás: quanto mais melhor. Malditas Drogas fracas demais.

- MAIS! Diz o maestro, e por sobre os ares cavalgam as valkírias ao som de sua cavalgada wagneriana, e são elas: mescalina, ácido lisérgico e seja lá o que tiver dentro de um amanita muscaria (o cogumelo vermelho com pontinhos brancos que inspirou Mario Brothers e Alice no País das maravilhas). Isso é droga de verdade. O resto é tão droga quanto a vida é vida perto da arte. O que é o mesmo que dizer, muito pouco. Mas não temam, meus filhos, em seu tempo choverão drogas muito mais potentes e seios muito mais fartos (com implantes muito melhores).

Desejo a vocês a maior sorte em suas futuras empreitadas, e que seja enforcado o último jornalista pelas tripas do último publicitário. Ou, no mínimo, o apedrejamento do último capitalista. E nada de tiros. Foi uma corrida para aumentar o poder do próprio coletivo com relação ao coletivo do próximo que nos levou em primeiro lugar a esta primavera tecnológica no crepúsculo da arte da vida e nos tornou prostitutas em um harém globalizado de um único e inexistente cafetão (O Capital?).

Glória ao infinito e único amigo imaginário,
Amén.

Dr. Voldo

Introdução

Acordo em com uma ressaca abominável, sento na privada para defecar objetos enquanto sondo o ambiente toalético em busca de algum maço de cigarro que satisfaça as duas condições básicas de uma manhã como esta: que não esteja vazio, e que esteja ao alcance de minhas mãos. Sou feliz e taco fogo. Os isqueiros em minha casa são mais promíscuos do que uma orgia do Calígula, é aquela velha lei da conservação da matéria: o mundo inteiro reclama que os isqueiros somem, os meus se multiplicam. Sou uma espécie de Ladrão Kármico. Na sua época talvez já existam leis contra este tipo de abuso.

O bidê é meu amigo. Em primeiro lugar, você leva o dobro do tempo que leva pra cagar para se limpar a seco; em segundo, você tem uma escarradeira maior do que a do seu tataravô e num lugar mais apropriado; e, em terceiro lugar, você não precisa de cinzeiro no banheiro. Nem uma prostituta russa com duas gramas de cocaína colombiana me seria mais útil do que um bidê numa manhã como estas. Mas ainda assim, eu trocaria o bidê pela prostituta com muito carinho porque seria assim uma manhã mais estilosa.

Felizmente, o sonho foi claro. Costumam perguntar por ai “ei, você sonha?” quando é óbvio que sim, a menos que eu sofra de algum distúrbio muito avançado que faria as enfermeiras que acompanhassem meus monitores durante uma polissonografia entoarem cânticos satanistas vestidas de inquisidoras.

A questão é se você lembra de seus sonhos. Porque são horas deles, e, para alguém como eu, não lembrá-los seria como sair por aí perguntando pra suas próprias facetas projetadas no reino de Morpheus se elas viram por aí o controle remoto da sua televisão no mundo que vocês chamam de deserto do real e, eu, de harém do capital. São centenas de horas que vocês irão viver inconscientes, meus filhos, e, por isso, façam bom proveito.

O Primeiro Sonho [29/01/2009]

A Cidade dos Fins

Num pub cartesiano, de nome “Meditação Quarta”, no tranqüilo subúrbio (em clara homenagem ao verso de Horácio bene vixit qui bene latuit, inscrito na lápide do Francês falecido) da maior Cidade do Império Racionalista, um círculo dialético de ébrios homens livres discutia, em homenagem ao aniversário da fundação do pub, a questão do verdadeiro e do falso.

Partiam, obviamente, do Cogito (ergo sum) cartesiano: Penso logo existo, mas isso nada prova a respeito da natureza corpórea, pois os sentidos podem sempre nos enganar; o que significa que a primeira certeza que um homem pode ter é sobre seu espírito. Neste ponto, o homem só sabe que existe e que duvida. Isso prova que ele não é perfeito, e a própria noção que tem de sua imperfeição prova a noção impressa de algo perfeito, de algo infinito em oposição a sua finitude (por uma questão de equivalência entre realidade formal e objetiva que empiristas posteriores comparariam a magia negra), dentro de nós. Este Modelo, este Infinito Perfeito não pode deliberadamente nos enganar pois isso denotaria imperfeição de sua parte. No entanto, nós nos enganamos.

Um estrangeiro feio conduzia a discussão:

Ele dizia: Permitam-me retomar a questão para que fique claro se estamos de acordo. Se Deus não nos deu um Poder para nos enganarmos, como, de fato, nos enganamos?

Ao que respondeu outro, um dogmático pouco sério sarcasticamente apelidado de
Philonous: Isto é porque o erro não está em nós. Nós fazemos parte do ser e do não-ser, e o erro não está em nós porque, propriamente, não está em lugar algum. Ele não é. A Questão é que nosso poder deliberativo, nossa Vontade, são infinitos, à maneira da Vontade do Criador. No entanto, nosso poder de discernimento, nossas faculdades intelectuais, são mui imperfeitas. De maneira que o erro poderia não ser uma ignorância passiva, mas uma ignorância ativa, mais que uma negação, uma privação.
Justamente o acorrentado ignorante-ingênuo da caverna, que toma as sombras por Essências.

E um terceiro, grande e inseparável amigo do primeiro, o que acabou por lhe render a alcunha de Hylas, acrescenta: Além do mais, como nossas faculdades não se comparariam às de Deus, nosso erro, de sua perspectiva, pode não o sê-lo.

Philonous: Exatamente.

Mas o estrangeiro não parecia satisfeito: e como isso isenta Deus da culpabilidade pelos nossos erros? Seu mais forte argumento é essa apelação metafísica à incompreensibilidade do infinito?

Hylas parece ofendido, levanta e prepara-se para uma boa e bela briga de bar. Mas Philonous gesticula para que ele se controle e Hylas é um bom amigo.

Philonous: Permita-me, caro estrangeiro. A faculdade do entendimento não toma decisão alguma, ela pode até deliberar sobre causas, mas não pode ser uma causa. Pode deliberar sobre conseqüências, mas não causá-las. E a imperfeição reside justamente nela, que não pode ser causa de nada e, portanto, não pode a ser fonte de erro. O erro provém justamente de nossa parte mais perfeita, o livre-arbítrio; é ela que principalmente nos faz reconhecermo-nos à imagem do Criador, pois é o poder absoluto do sim e do não. A Vontade é livre, e livremente sai de sua indiferença e mete-se precisamente aonde o entendimento não alcança, ou por impossibilidade ou por ignorância. E neste momento, livremente e naturalmente, decide tomar o falso pelo verdadeiro. Mas entenda que este erro, ou todos os erros, podem ser facilmente evitáveis se você não deliberar sobre o que não entende.

Ao que responde o estrangeiro: Entendo. Isto tem alguma coisa a ver com aquele feriado internacional do Império, a Semana da Dúvida, na qual vocês estabelecem como falso tudo o que for sujeito à dúvida e só fazem aquilo que, com seus próprios aparatos intelectuais, conseguem ter com clareza e certeza como verdadeiro e certo?

Hylas: Sim. Ninguém até hoje conseguiu sustentar durante esta semana santa a existência da substancia corpórea, que permanece em indiferença.

Alguns murmúrios ecoavam dentro da sala, este era um assunto tão sério quanto seria a virgindade da Maria madalena se alguém levasse a sério os apócrifos.

O Estrangeiro: Isto quer dizer então que, pra vocês, o erro é voluntário, pode ser evitado facilmente e, assim, Deus é isentado de culpa pelos nossos erros (ainda que não fossem erros de sua perspectiva...)?

Philonous: Não é tão simples assim. Depois de anos examinando o desenrolar dos eventos da Semana da Santa Dúvida, chegamos à conclusão de que sim, que isto somente é verdadeiro na exata proporção de desculpar Deus de nossos Erros. Mas é bem difícil, as pessoas não conseguem conversar, alguns mal conseguem abrir os olhos, muitos morrem de fome. No entanto, é uma Semana que nos purifica e nos prepara para o mundo civilizado, que nos obriga a tomar decisões a respeito de coisas que não entendemos.

O Dono do Bar interrompe-os e diz:

E é com esse objetivo que o pub foi fundado, justamente. O objetivo de evitar o erro e promover o conhecimento da verdade; aqui alguns dos mais elevados intelectos de nossa gente reunia-se, em número pequeno, para um grande número de cervejas, durante a Semana, mostrando quão longe conseguiam ir em certeza objetiva e incontestável. Fala-se por aí de um cego com uma máscara solar cuja clareza e objetividade de seus pensamentos era tanta que ele chegou a sentar em um dos bancos e tomar um porre. Mas não sabemos quem foi, pois ele nunca se revelou e nenhum de nós estava lá para ver. Só encontramos algumas garrafas vazias e rastros de seu vômito. E, aparentemente, ele mijou na pia. E Deixo a porta aberta em deferência a estes sábios, ou talvez este.

E eis que entra o Professor de Solipsística Quântica, Dr. Hans:

Eu assumo. Eu consegui. Eu que mijei na sua pia. Peço desculpas, tinha certeza de que era uma privada. Talvez não tanta clareza, eu admito. Mas certeza eu tinha.

O bar fica inquieto, sangue é derramado e Hans é expulso da cidade dos fins. A barulheira toda do bar revela-se a da máquina de lavar. A faxineira chega para fazer seu trabalho em meu apartamento e eu acordo.

O Primeiro Dia de Normal [29/01/2009]

Conversei sobre assuntos irrelevantes, puxei assuntos desinteressantes e sonambulei por entre os pastores do ser que mais me parecem híbridos de ovelhas com formigas coletoras de material para alimentar o fungo de seu formigueiro. Os normais. Nada digno de literatura. Terei de esperar até o próximo sonho.

O Segundo Sonho

Dentro da casa, como de costume, Nietzsche corria atrás de Kant com uma espada gritando ‘porque O matas-te? Porque, homem!’ e Kant, ainda semi-atado pelas cordas que o prendiam enquanto dormia (para garantir que permanecesse na posição perfeita por toda a noite), lamentando-se em voz alta ‘estão vendo, é por isto que eu digo que não há nenhuma garantia de nossa liberdade sem a formalização jurídica do que é certo, pois veja, esta criança ex-antropomórfico de camelo e leão que mata o dragão, sai por aí, uber-livre, porque não temos código jurídico por aqui!’.

Bruno conversava com Cardano e Porta. Discutiam a procedência do corpus hermeticum, no jardim, enquanto Descartes e Galileu troçavam de Francis Bacon e Guilherme de Occam porque o progresso tecnológico havia provado a excelência do a priori sobre o empirismo puro dos dois pobres coitados.

Berkeley, em vias de overdose de água de alcatrão, batia na porta do toalete incessantemente na vã tentativa de apressar Arquimedes para fora da banheira.

Eu acordo.
O Segundo Dia de Normal [30/01/2009]

O tédio. Talvez ninguém se sinta normal. Talvez não olhem em volta e vejam como se parecem entre si, cada vez mais. Até os vampiros, zumbis e lobisomens convergem em um único monstro, zumbis inteligentes e rápidos, vampiros estúpidos que grunhem como lobisomens. É tudo o que eu tenho a dizer. Normais não sabem escrever, e eu ainda não sei o que é ser normal. Estou em fase de pesquisa empírica. Teremos de esperar pelo próximo sonho.

Mas até lá, eu tenho algo para contar sobre o que eu tomo pelo epítome da normalidade.

Minha família pode não ser o sonho americano, mas é composta majoritariamente por pessoas de bem. Médicos, engenheiros, economistas, advogados. Quando pensei em deixar o cabelo crescer e furar as orelhas eles me alertaram de desvios morais como a homossexualidade e a viadagem (absolutamente distintos), como qualquer família decente faria.

Imaginem então o meu horror quando começaram a exaltar a importância do exame de próstata nos jantares familiares. Old School, o famoso toque. Traído, esfaqueado (ou pior!) pelas costas... um coroinha pedofilizado.

O que seria esse abuso? Seria... uma cilada? Não seria tudo um teste de masculinidade – e assim que eu pusesse os pés dentro da sala de violação anal o proctologista riria de mim e me avisaria que eu não passei no teste?

Talvez isto não faça sentido, (salvo a parte da filantropia). Mas não sei, estou sóbrio demais.

É o sóbrio que se esconde na sua sobriedade e não o entorpecido que foge de qualquer coisa que seja: o entorpecido atravessa as paredes de vidro do real e cai sobre seus cacos dilacerantes. O sóbrio estupra o real, o louco transa com ele.

E quanto aos sonhos... talvez sejam eles um abismo entre o século e a eternidade. E, por agora, é neles que repousa minha confiança. Pois até agora, ser normal me parece reclamar, reclamar, e reclamar: mas deixar que façam com você aquilo que te parece o mais execrável em nome de princípios que você não entende mas defende com seus princípios castrados.

Que fique esta lição para vós, queridos filhos. Se pretendem lhes estuprar e a porta estiver destrancada, fujam. Melhor viver em abstinência do que em perpétuo estupro, isso eu lhes digo. O estupro perpétuo é lucrativo, eu concedo. Mas a abstinência simplesmente aparece melhor aos olhos de quem estiver lá pra ver, no mínimo com a cara colada no vidro e morrendo de medo de se machucar.

Segundo Sonho [30/01/2009]

Eu entro na sala do proctologista e não há proctologista algum. O meu tio mais bem humorado segura luvas de borracha e fica fazendo sinais obcenos me acusando de viadagem. Eu olho para a direita e meu pai coloca duas notas de 50 reais no bolso da frente de meu tio, claramente uma aposta que tinha perdido no momento em que entrei por aquela porta. Minhas tias consolam minha mãe, alertam para as vantagens dessa descoberta: ela não vai ter que dividir espaço com nenhuma outra.

Olho mais atentamente e vejo que minhas tias não estão mais consolando minha mãe, mas são meus tios que celebram a homossexualidade de suas filhas: não terão de se preocupar com um escroto como eles enfiando o membro não-circuncidado nas vaginas de suas preciosas crianças.

[O Terceiro dia de Normal – 31/01/2009]

Acordo um pouco agitado. Talvez toda esta história de ser normal tenha sido um erro. Não porque eu não sei o que é normal, mas porque eu devo admitir uma certa paixão pela picada do moscardo – e uma tendência infinita de me tornar o mais distante possível e imaginável de tudo isto. Mas só em sonho poderia eu alcançar tal façanha. Que o onipresente piromaníaco me proteja, mas talvez eu deva me botar pra sonhar por horas intermináveis, e escrever tudo o que daí vier. Talvez eu possa ser um normal acordado e ser picado pelo moscardo apenas ao abrigo de Morpheus.

Foi então que tomei a decisão de escrever uma aberração plena, às quais adicionarei um comentário subseqüente ao acordar. Entretanto, lhes aviso a vós, com o perdão do pleonasmo poético, meus queridos filhos: o entendimento é belo. Mas a beleza é superior ao entendimento, por uma simples questão de hierarquia de fins. O entendimento serve a muitas coisas, entre elas, à beleza. Não há distinção além de meia dúzia de rigores burocráticos entre qualquer forma de arte discursiva, salvo o que nos salta aos sentidos. E acho que já nem preciso comentar sobre o estupro que é classificá-las e distingui-las compulsivamente em sessões diferentes numa loja de produtos.

Se serve pra alguma coisa, não é vida e não é arte. Há pouco neste mundo que não sirva para nada, e é neste pouco que identificamos o que realmente importa: os fins últimos, aos quais todo o resto serve. Mas não caiam no velho truque do falso paradoxo. Ser intransigente quanto a não fazer da sua própria vida um instrumento de alguma coisa horrífica e abstrata não é o mesmo que ser intransigente no sentido de violentá-los com exames de próstata. Mas esqueçam da intransigência. Prefiram a dúvida. Isto é que é vida, isto é que é arte.
Os bons poetas queimam os próprios poemas, os maus os publicam e ganham dinheiro com frases que ficariam melhores mijadas na parede de sua vizinha escrota do que dentro de um conceito como beleza. No segundo em que qualquer coisa lhes parecer superior à sua arte (ou seja, que sua arte lhes sirva para alguma coisa) vocês morreram como artistas, bem como no momento em que vocês pautarem sua vida segundo determinada utilidade ou princípio vocês acabaram de se suicidar; não é permanente, felizmente. Vocês podem renascer de novo, depois de algum tempo sonambulando quase morto por aí. Nada, salvo a neutralidade plena, é irreversível. Nada do que importa pelo menos. Abdiquem dos abusos que cometerem e não se tornem os mais fervorosos defensores de suas palhaçadas (a menos que o façam com estilo).

Até lá, minhas crianças, façam bom proveito. E, na dúvida, Wikipédia e Google podem ajudar-lhes no medo do não entendimento. Um fantasma de entendimento que sirva no sentido contrário do medo dos termos desconhecidos me parece um bom é amigável fantasma.

Apokatástasis Pánton (terceiro e obscuro sonho)

APOKATÁSTASIS PÁNTON
(O terceiro e decisivo Sonho)


0. Apokalypsi
Eis que, nada Acontece.

No decadente e resplandecente epítome de sua magnífica glória, os homens contemplaram seu auto-inculpável apocalipse quando a última gota de seiva escorrre ao chão e o último véu de seda é elevada aos céus. We are not responsible. Steal anything in sight.

O hímen da Babilônia reconstituído por cirurgia plástica, Azazel capturado numa quark nova mutante; Salvação, Glória, Honra e Poder, onde estão? Silêncio. O logos de crachá em sangue, e seus exércitos apocalípticos, capitulam.

O putch de meggido. A humanidade, confinada em um espaço horizontal delimitado que se estendia desde profundezas subterrâneas até alturas estratosféricas, no território geográfico ‘exato’ de Jerusalém (uma decisão considerada particularmente engraçada a um grupo armado de Carvalhos, que mal pôde conter o ébrio louvor vitorioso de seu ritual papavérico).

Nasce uma nova ordem: um sistema auto-sustentável de criogenia, indefinidamente perpetuável: cérebros ligados ao Inconsciente Coletivo, o Universo Perceptivo, um reflexo das profundezas inconscientes do computador supremo, Laylah, Aur Ain Soph – a grande alglutinadora de signos, a multiplicadora de peixes.

Cada um é tornado avatar de seu próprio Golem.
A Vida eterna virtual, a nulificação máxima das distancias, a Última Aurora Boreal da Civilização: nos forçada pelos piores e mais indignos orifícios imagináveis, abaixo.

Infelix culpa.

Como alguém já disse alguma vez: Il n’y a que l’inutilité du premier déluge qui empêche Dieu d’em envoyer un second; infelizmente, Kant o destronou. E o próximo não tardou a chegar. Uma volta do Adonai clássico, vingativo, infantil e macho pra caralho.

Desvendamos o arco-íris do trono celeste e o mar de cristal secou com o logos. Amém.

I. Thanatos

Not only there is no God, but try getting a plumber on weekends.

1. Peloponeso Sengoku

Cléon e Demóstenes partiam em ofensiva. A plebe clamava como os torcedores de um time de futebol em dia de final e a elite torcia o nariz para os tributos. Eia! À Tebas! Demóstes alia-se aos Tokugawa, invadindo com seus samurais pela Acarnânia, enquanto Nícias e os ninjas Iga de Hanzo, em frenesi, avançam à Tânagra. Derrota, Vitória e Retirada.

Brásidas não temeu. Tinha, pois, a seu lado, o destemido dokuganryu, Masamune Date, o dragão caolho; e, se não lhe bastasse, Herr Nobunaga. Alcebíades processado: cortaram o falo de Hermes, ele dizia, o que eu tenho com isso? Nobunaga riu-se, Brásidas o compreendia. Não há problema algum em se cortar o falo de Hermes, esses deuses servem apenas para desviar os cidadãos das verdadeiras virtudes! Mas eu não cortei falo algum, por Atena! Que seja, junte-se a nós, meu amigo. Quais os planos de seus acusadores? Ah, sim! Siracusa, você diz? Pois vamos todos pra lá, convoquemos Arquimedes, a festa será trismegística!

O verdadeiro patriota não é aquele que aceita injustamente perder sua pátria, mas aquele que faz de tudo para reconquistá-la, ainda que seja traindo-a! Os atenienses não o entenderam, a justiça de Alcebíades era mais complexa do que a da família Bush.

O sangue jorrava pra todos os lados, a putaria comia solta. Os navios democráticos atracaram na praia: muralhas! Hanzo utilizava técnicas de ninjutsu para forçá-las a ruírem, Masamune contava a história de como arrancou seu próprio olho enquanto ainda criança, como matou todas as famílias aliadas à dele, de como elas se desesperaram e raptaram seu pai, e como, finalmente, ele os matou holisticamente, a todos, como um todo, inclusive a seu pai;

Os exércitos de ambos os lados, sem nomes, trepando entre si, das partes helênicas, enquanto as partes nipônicas se refestelavam de saquê e bradavam ferozmente no karaokê. Tokugawa perde a paciência: invoca os panzers, como substitutos de seus arquebus (idéia, inclusive, mais do feitio do Oda; mas não era ele quem precisava botar os muros abaixo, e o tempo-espaço se dobra segundo os desígnios do onipotente quântico), tanta era sua fúria contra a incompetência dos 38,000 combatentes liderados por seu filho Hidetada que não conseguiam chegar à batalha, pois estavam ocupados demais contra os 2,000 do Sanada. Patético.

Entretanto, não há nada que um espartano não faça: não derrotaram, pois, o exército de Mordor nas mãos de Xerxes, com apenas 300 homens? Não, não derrotaram, é verdade. Mas fora tanta a glória que conseguiriam depois que os efeitos de tal causa posterior ecoavam até esta batalha atemporal. Post hoc ergo utopos hoc. Entre murros e pontapés, Pugnis calcibus, os espartanos destruíam em Furor Teutonicus os panzers da ofensiva ateniense. Mas o caos é terreno do Dragão Caolho.

- “Por que cortaste o falo do Ratatosk, maldito Alcebíades?”

- “Porque eu sou heterossexual, tolos!”

Horrorizados com tal possibilidade (o heterossexualismo), os atenienses tremeram. Nobunaga passa a catapultar cadáveres heterossexuais por sobre a ofensiva de Cléon, que temia a infecção mais do que a própria morte. Masamune ri como nunca. Retirada! Derrota! Começam a cruzar a Bifrost de volta pra casa; mas não é o fim para Hanzo, nem para Ieyasu. Ficaremos até a morte! Eternal Glory!

Invejosos e valhálicos, os exércitos de Cléon retornam à batalha. Ubi non sis qui fueris, non est cur velis vivere.

Brásidas e Cléon invocavam o direito medieval da justa: o clássico mano a mano, 1x1. Brásidas empunhando duas katanas, Cléon ostentando uma AK-47. La più bella e sanguinosa conquista della macchina è l’uomo. Tudo muito rápido, espadas dançando, balas desviadas pra todo lado, suas forças eram equivalentes. Alcebíades mete-se no meio contra ambos, arrependido de sua traição e ao mesmo tempo furioso com seus compatriotas. É Free-for-All, as equipes são subvertidas; os samurais logo percebem, e, bem familiarizados com isto, resolvem participar. Todos contra todos, Bellum omnium contra omnes, Só um sai vivo! Fiat iustitia et pereat mundus! Theosis!

Não foram poupadas cabeças nem falos, braços nem pernas, e em alguns minutos de guerra a Sicília tinha mais membros destacados do que conectados aos corpos; todos participavam. Até Trasímaco resolvera fazer uma aparição. Mais cabeças ao chão do que ao céu, como Baphomet haveria desejado. Pouco a pouco, os líderes caíam. Alcebíades vencera a neo-justa que iniciara, mandando Brásidas e Cléon para o Kirchhoff freiheit; depois, na tentativa de fugir, fora derrotado por Ieyasu, que o acusava de cristianismo. Alguns Hojo aparecem com Kutaro Fuma, decididos a tacar fogo no navio de Hanzo, mas não são bem sucedidos. Morre Ieyasu, e Masamune resolve ler alguns de seus versos para o shogun: perecem juntos. Etiam periere ruinae, Manu militari.

Decidiram por uma pausa.

Acenderam-se alguns cigarros, discutia-se política e futebol, comentava-se sobre a existência de Deus e da Verdade, do bom, do belo e do justo, da possibilidade do conhecimento a priori, se ele provinha da experiência ou não, porque a Vaca do panteão nórdico veio antes dos primeiros homens, e o que diabos queria dizer soteriologia.

Lapsus linguae, Homo homini alces.
Dii pedes argentum habent.

Não demorou muito para que a pausa se tornasse uma saturnália. Bebiam e praguejavam como templários, vomitavam e alucinavam como romanos. Bebiam, vomitavam, bebiam de novo, trepavam e vomitavam, depois fumavam, bebiam, vomitavam, trepavam e bebiam. Até que só vomitavam. Morreram, antes do amanhecer, como seria de se esperar.

First you take a drink, then the drink takes a drink, then the drink takes You.

Quatro, porém, sobreviveram ao porre: Nobunaga versus Demóstenes, Hanzo versus Arquimedes, batalhas sorteadas pelos dados (que os japoneses, logicamente, sacavam mais rápido e de mais bom grado do que suas espadas).

A primeira batalha foi facilmente vencida por Nobunaga, montado em Sleipnir. Não lhe bastasse essa vantagem, ostentava o também um Notung Light-Saber. Cortava e queimava, sem sangue algum sendo derramado.

L’extrême civilisation engendre l’extrême barbarie.

Na segunda batalha, Hanzo não parava de golpear Arquimedes, que corria para todos os lados, pensando antes de agir, estabelecendo conexões matemáticas e geométricas em um caderno enquanto desviava da katana de Hanzo. Em determinado momento, Arquimedes puxa uma corda e desce um pano que cobria seu soberbo engenho. Hanzo olha, e trata-se de uma parede enorme de espelhos convergentes canalizando, para um ponto minúsculo no meio de seu lobo frontal, todos os raios solares. Lobotomia no ninja. Arquimedes olha bem para Nobunaga, o olhar do Verdadeiro Gosu, e este, então, grita como uma patricinha quando vê uma barata. Corre com todas as suas forças, para bem longe. No caminho, porém, encontra seu castelo em chamas e Mitsuhide, que proclama que o está traindo. Desolado, Nobunaga comete seppuku.

A vitória é de Arquimedes, como seria de se esperar.

2. Batalha de Adrianópolis-Edfusalém

Depois de oitenta infindáveis anos de guerra, Rá, já tremendamente lamurioso por não ter escutado as sábias retro-memórias do posteriormente póstumo Brás Cubas, resolve mirar seus raios solares nos olhos dos combatentes de ambos os lados, alternadamente. O Abel caínico, Seth, observava prudentemente de longe – sem poder esconder o prazer advindo de um dia diferente após oitenta tediosos anos.

Neste dia, porém, estava ausente seu sobrinho: trabalhava minuciosamente, ao lado de Thot, Odin, Robert Fludd e Hipócrates, na tentativa de trazer seu falecido pai do reino dos mortos para terminar com a guerra, e, para tanto, restituindo-lhe o falo cortado por Seth, através de intervenção cirúrgica. Dr. House fora expulso do recinto minutos antes por insistir na necessidade de um MRI e um PET Scan para o procedimento.

Portanto, quem ocupou o lugar de Horus nesta distinta e garbosa Batalha de Edfusalém foi Godofredo de Bulhão, duque de Lorena. A seu lado prostraram-se Hugo de Vermandois, Raimundo de Saint-Gilles e Plínio Salgado. Em contrapartida, Boemundo e os normandos da Sicília, enfurecidos pela cartinha que lhes havia encaminhado, por e-mail, Loki, aliaram-se a Seth; pois o e-mail era a fotocópia por scanner do diário abiscoitado da própria filha do Imperador Aleixo I, contendo afrontas e calúnias sobre sua pessoa, chamada de perversa. “O normando é sujo, feio e malvado. É vil, pois é feio. O bom e o belo se confundem, e os feios querem roubar o império de papai”, ela dizia.

Papai, alias, impôs que toda a pilhagem da guerra viria para si – pois apesar de não lutar presentemente, havia enviado os seus para substituir Hórus (que não se importava com as pilhagens, desde que ensinassem técnicas melhores de cultivo a ele, para que pudesse ser aclamado pelo seu povo).

Ora, prescreve o Axioma Infalsificável dos Templários que o lado certo é o lado da pilhagem.

Seth, muitas vezes visto como puramente vil e insensato, não ensarcofagou seu irmão por pura sorte, não. Não havia sorte naqueles tempos, os Deuses tinham mais o que fazer além de jogar dados. Ele era astuto e sabia que a pilhagem livre atraia todo mundo. Sabia também que não custava nada invocar a Batalha de Adrianópolis, já que os normandos podiam muito bem aliar-se aos visigodos e ostrogodos sob sua liderança, para matar quarenta mil soldados e o imperador - pilhagens à vontade.

Marcharam, pois, por sobre o deserto, os nobres cruzados e os integralistas com o exército de Hórus, sob a liderança de Godofredo e, agora, do Imperador Valente e dos romanos, versus, Seth, normandos, visigodos e ostrogodos. Pela Igualdade, pela Liberdade, pela Fraternidade e, acima de tudo, pela Pilhagem.

Rá, depois de muita dor e sofrimento causar em ambos os lados (queimou os testículos de Seth, fulminou os bigodes de Plínio, mandou Loki pra longe, por não agüentar a temperatura do ambiente, obriga Boemundo a apresentar atestado médico de fotofobia, etc.), decide recolher a luz solar para trazer a noite, obrigando os combatentes a recolherem seus mortos.

Não mais havendo espaço para os corpos, e sendo proibido pela Lei Inefável daqueles espaço-tempos queimá-los, Seth resolve mutila-los e catapultar seus ossos contra Godofredo. Exoriare aliquis nostris ex ossibus ultos. Os visigodos e ostrogodos, não agüentando mais a libido explodindo por seus umbilicus telluricos neste ato de glória fálica, resolvem atacar às cegas, à noite. Theosis!

Em questão de segundos, a infantaria dos romanos arruína-se e vai fazer companhia a Osíris. A cavalaria afetada dos nobres é dizimada. É um massacre. Seth resolve dizer que é tamanha a sua glória que merece puxar o carro de Apolo, faz asas de cera para imitar as de Horus, e o resto vocês conhecem.

Death implies change and individuality; if thou be
THAT which hath no person, which is beyond the
Changing, even beyond changelessness, what has thou to do with death?

II. Bios

3. Gênesis

B'reshit era o Caos. O belo nothingness da escuridão.

Então a noite de asas de breu e a Neblina Niflheim, no regaço do profundo e negro Érebo Musspell,
Pariram Eros, que é Logos.

De Eros, brota o grande Nun Gelado – o Nilo Primordial, Ginnungagap adormecido.
Tetragrammaton, apercebido deste fenômeno natural, resolve, de Nun, criar o Céu e a Terra. E uma vaca titânica.

Da Terra nasce Yggdrasil, e dela, os filhos de Osíris, Ask e Embla. Eles matam o Logos, e, com ele, enterram Jeovah e o Amor.

Da terra fertilizada por tais Cadáveres, e pelo suor gelado de Ymir, alimento de Audhumla, surge Midgard.

Brota, lentamente, uma Lótus Branca, em meio ao caos da Nova Escuridão.
Dela, emana, numinosa, a luz do Despertar.

4. The Wake

“Whirl your whiskey around like blazes
Thanum an Dhul, do you think I'm dead?"

Pois estavam a enrolar em lençóis brancos os cadáveres das duas guerras e a prepará-los para a pira, doze dias após suas mortes, como manda a tradição. Maggie O'Connor e Mickey Maloney resolvem beber à glória de seus mortos que, sem dúvida, já estavam em Valhala. Gallons of whiskey at their feet and barrels of porter at their heads, procedamos ao sermão de honra.

O Sacerdote responsável pelo discurso de elogio aos mortos, Amenophis IV, afirma que os mortos estão a fazer companhia a Osíris. Alguns levantam em fúria e bradam “Valhala!” e outros gritam por Jeovah, Adonai, Alah, Hashem, Adoshem, Ehyeh-Asher-Ehyeh, El, Elohim, Shaddai, e o outro diz Rá, e então discutem se os mortos vão ao lado dos Deuses no Tédio Supremo ou se permanecem a lutar eternamente até o Ragnarok, e o caos se instala,

Shillelagh law was all the rage, and a row and a ruction soon began.

Sangue e whisky voando pelos ares, e o cuspe alcoólico dos vivos toca os lábios de dois finnegãos, mortos por acaso (provavelmente em fuga, escorregando e caindo de um muro, como a esta altura deve estar óbvio ao leitor atento).

Eis que dois se levantam, simultaneamente: Por Er! É o que dizem. Mas que horroroso pesadelo, diz o primeiro. Mas que belo sonho, diz o segundo. Olham-se, amam-se e odeiam-se a primeira vista. John Hylas chamou-se ao primeiro, George Philonous ao segundo.

Philonous: Pois estava pensando no destino daqueles que por uma ou outra razão pretendem não acreditar em coisa alguma; que buscam, ao longo de suas miseráveis vidas, o conhecimento - e acabam professando a ignorância de tudo.

Hylas: Eu, por minha vez, não sou cético. Nego tudo, mas não duvido de nada. São coisas diferentes. Se bem que eu ouça uma grandiosa multiplicidade de sons, não posso lhes ouvir a causa.

Philonous: Concordo. Existir é uma coisa, ser percepcionado é outra coisa.

Pois alguns disseram depois que não estavam mortos os finnegãos, é claro.

Propuseram, entretanto, explicações menos prováveis do que a ressurreição:
Um diz que os teoricamente falecidos eram TLEs (Temporal Lobe Epileptics), só pareciam estar mortos; o outro diz que como eles tomavam reserpina, os hormônios produzidos pelo stress da batalha os induziram ao coma, do qual, depois da avalanche hormonal, acordam.

Nonsense!, eu digo. Lex parsimoniae, a navalha de Occam, cortaria as cabeças ocas dessas proposiçoes antes de cortar a da Ressureição!
Segundo um, ordenaram distância e afirmaram ainda não estarem mortos; segundo os outros, pediram para que lhes tocassem os pés. A tradição escolheu um só.

III. Teletourgikos

5. A Iniciação

Começa, como todo e qualquer começo que seja arbitrariamente selecionado – o que engloba, portanto, o conjunto universal de todos os começos - , da forma errada. Certo seria, como muitos já apontaram ao longo da história da literatura, da pré-história da pseudo-literatura e da pseudo-história da pré-literatura, começar com uma música.

Começássemos por uma música, ela provavelmente seria uma longuíssima sinfonia dodecafônica punk-metal, embora essa provavelmente fosse a música errada. Porém, não; logo, o silêncio.

Poderia também começar com uma explosão monumentalmente relativa, ou com uma caixinha de fósforos (fiat lux? É uma piada imbecil e também a única que lhes entregarei de mãos beijadas, leitores imbecis e ingratos); infelizmente, esses começos são na verdade referências a começos, e não começos em si. Um dia, alguém acorda e inventa um começo. Grifa em baixo – começo. Mas o começo inventado é tudo menos um começo, é na verdade o resultado de um processo, um fim.

Todo começo é determinação, e na produção humana a determinação do começo é, portanto, um fim inescapável. Toda obra começa pelo fim. O que é um absurdo somente explicado pelo fato de que o logos morreu, e as palavras já não fazem mais o menor sentido. Ou que nunca tenham feito, e que o logos é um aborto não batizado vagando sem rumo pelo limbo.

Eis que nossos Heróis, caminhando alegremente e conversando sobre coisas frívolas e supérfluas, encontram um sujeito muito peculiar, grande, forte, e utilizando uma máscara dourada com um sol que cobria seu rosto por completo, incluindo os olhos e a boca, salvo por alguns buracos na altura da boca. Estava dirigindo a palavra a uma arvore:

- (...) portanto, o robocop é a re-encarnação do William Lee, que sobreviveu parcamente a uma overdose de bugpowder, thus, transformado num cyborg como a única salvação de seu Ser. Desolado com sua falta de possibilidades lúdicas (nem interzone, nem junk, nem seu gatinho), com sua impossibilidade de cometer atos sexuais impuros ou de casar-se com alguma mulher para matá-la e escrever um livro, alia-se às forças policiais com intuito de fuzilar os culpados e maltratar impunemente os inocentes. Eis a Verdade.

Voldo era seu nome: o tipo que saiu da caverna, trocou umas Idéias com A Justiça, pegou umas Ondas, fumou O Baseado e voltou; e, depois de alguns meses, se dá conta de que foi tudo uma viagem cósmica de LSD. Insatisfeito, consegue finalmente sair da caverna, manda todas as Idéias à Merda e olha direto pro sol. Volta pra caverna, obviamente, chorando, e cego. Esse é Voldo.

O momento já nasce morto, ele diria. Só nos resta a ficção. É Voldo que os eleva à condição de Homo literatus, e, portanto, que dá a luz à nossa Pequena e Gloriosa Epopéia Onírica.

6. A Conversão

Voldo fez uma fogueira, pediu que os dois se sentassem, tirou sua máscara solar – deixando à mostra seu rosto, indicando a solenidade do que estava para dizer (com a máscara mal se podia distinguir o que ele dizia, coisa que nunca lhe importou muito.

Agora lhes vou dizer algo muito importante. A Verdade.

Viddy well, lil’ brothers, viddy well. Éramos, nos tempos primevos, Deuses, com D maiúsculo. Não deixávamos os outros saberem nossos nomes, éramos Inefáveis, Inexoráveis, Eternos. Um belo dia, o Tegragrammaton, que ainda era uma criança, conseguiu convencer um povo inteiro do contrário. Tornou-se seu Deus ali, ainda como criança. É por isso que observamos, por exemplo, nos bons tempos da Torah, quão infantil e bestial ele aparenta ser. Odeia as mulheres, manda todo mundo ficar sacrificando filho, e depois diz que era pegadinha, expulsa as crianças de casa da primeira vez em que pintam a parede, e ainda coloca uma espada flamejante enorme na porta. Tão fálico quanto bestial e infantil.

Tanto que quando ficou pouco mais velho, mais sentimental e frouxo, até, parou de mandar apedrejar quem trabalhava no sabath e tudo mais. E o pior é que os Apócrifos da infância do Joshua batem perfeitamente com o ânimo do YHWH do primeiro livro do Tanakh. Um moleque pula nas costas dele, ele mata o coitado só pra depois o ressuscitar. See? Mas esse não é o ponto.

O ponto é que ele pouco a pouco convenceu os homens de que só ele era Deus. E que os outros eram somente deuses. E depois, que eram apenas homens. Não me admira, era realmente muito bom esse Adonai, sem dúvida. Mas apenas Deus como todos os outros. Não possuía mais Ser que eles, e tornou-os Pastores do Ser.

Hylas - Oh, Deus, mas que bela história. E que diferença isso nos faria agora, dentro de uma maldita novela pós-moderna que segue a aleatoriedade pós-quântica do desígnio de uma consciência coletiva virtual concentrada num cérebro feminino?

Mas é aí é que está meninos. You behold in me a horrible example of free thought. Vocês não entendem? Um mundo virtual é tão real quanto pode ser! A linguagem é diferente, sim, um funciona com 0s e 1s enquanto o outro em partículas quânticas. Mas zeros e uns também estão sujeitos as Leis do Universo, tanto quanto partículas quânticas, ainda que de forma tortuosamente reta, ou diretamente torta. A linguagem não interfere no Ser!

- Você tem um ponto. Give a man a mask and he’ll tell you the truth! Prossiga.

Ora. Não seria então possível, pois, que sejamos tão divinos quanto Auir ain Soph, Laylah?

- Por Deus, Hylas, o homem tem razão!

- Sim! É evidente! Eu, que por tanto tempo duvidei dos sentidos – via de tudo ofuscado através de uma espécie de lentes convergentes... mas eis que os óculos me foram tirados e entra-me pelo intelecto uma nova luz!

I’m a man of characters. Entendem o que digo?

- Mas é claro! Devemos caçar Laylah e assassiná-la!

Não, não. Não é isso, seus animais. Não... e de onde vocês tiram essas idéias estúpidas anyway? A conclusão é que devemos nos voltar a nossa condição primeva, de Deus! Deus factus est homo ut homo fíeret Deus!

Hylas - OK, faz sentido. Bom, não muito. Mas devíamos matá-la mesmo assim. George?

Philonous - Sim, todo o. Mas consultemos alguns oráculos, para ter certeza disso, está bem, John?

Hylas - Sim, me parece sensato.

Vão em frente, então, ignorant fools; shoot the bitch and write a book. Mas eu não tenho nada com isso, eu só quero ser Deus.
Vocês são dois pervertidos, é isso que são.



IV. Chrismos

7.

Hylas - Pois agora me explique, ó, Philonous, como é que há lugar na vossa mente para que lá existam todas estas arvores, todas estas casas. Como é que coisas extensas podem estar contidas no que é inextenso?

Philonous - Mas é justamente disto que estou falando, caro amigo. Isto prova a plena eqüitatividade entre os sistemas existenciais. Tudo pode ser representado em informações. O fato de que o cérebro, com sua linguagem neurológica interna, pode representar perfeitamente bem o mundo do lado de fora nos leva invariavelmente à conclusão de que o mundo é, de fato, representado como informação. Quer tenhamos ou não um Percepcionador supremo, sustentáculo formal e causa eficiente da realidade – e qualquer que seja esta realidade – sua causa formal não é material, mas virtual.

- Estamos divagando muito, caro irmão. Creio que devamos prosseguir.

Oráculo de Stageria

Proferem a frase de invocação: Permitirás que Atenas peque novamente contra a filosofia?

O oráculo diz:

- Admite-se que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e escolha, tem em mira um bem qualquer. O Bem é aquilo a que todas as coisas tendem. Não seria menos insensato aceitar um raciocínio provável de um matemático do que exigir provas científicas de um retórico.

Ouve-se uma voz ao fundo: Nosso caminho parte dos princípios ou se dirige a eles?

Cala a boca, Aristocles. Volte à geometria.

Delos: Das coisas a melhor é a mais justa, e a melhor é a saúde. Mas a mais doce é alcançar ao que amamos.

Não há arte ou preceito que abranja todas as particularidades, mas as próprias pessoas atuantes devem considerar, em cada caso, o que é mais apropriado a cada ocasião.

Calipso: passa ao largo de tal ressaca e de tal surriada!

Por Anatólia, não era eu o maldito Oráculo por aqui?

- E aí, o que você acha John?

- Acho que é thumbs up.

- Mas a voz da Calipso está me pesando. Além do mais, essa história de Bem, e coisas tendendo ao Bem... não sei, eu diria que é thumbs down.

- Tens razão. É Nay, my brother.

8.

Oráculo de ikhtys

Hylas - George, o que você acha dessa tal força misteriosa que inventou Newton?

Philonous - Eu acho que a gravidade é o peso do Superego de Deus. E não de um Deus mesquinho e infantil, que não se importa em ser Justo e Verdadeiro. É claramente efeito de uma Força super-éguica uber-narcisista. Ela prova, portanto, o poder de ikhtys.

Hylas - E o que perguntaremos ao nabi?

Philonous - Que tal: se vierem me bater, a melhor forma de provar que a pessoa está errada é deixando ela me bater? E se ela for um fariseu?

Hylas - Te esqueces que o nazir essênio era também um Rabi fariseu. Caso contrário os próprios fariseus não o chamariam Rabi.

Philonous - Justamente por isso, John. Corre em suas veias O Sangue. Além do mais, quem sabe o que ele irá responder?

Invocam-no: Eli, Eli, lamá sabachtani?

Se vocês não mudarem, e permanecerem como crianças... Mas enfim, não vim para salvar os Justos. Estes não precisam de salvação. Nada está oculto, que não venha a ser revelado, nem tão secreto que não venha a se saber. O que digo a vocês nas trevas, digam na luz, e o que vocês ouvem ao pé do ouvido, proclamem sobre os telhados!

Philonous - Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! Que quem veja, não veja! Somos terra boa! Vele-nos e revele-nos, Qatal, Lataq, Epifania!

Silêncio! Não vim trazer Shalom, mas a Spathi! Só os violentos conquistam o Reino de YHWH, que se adquire à força. Ah, o sabor da Vendeta. Sinto o que buscam: o julgado e condenado, volta, julga e condena. Katadiki, Sotiria, Achanes!

Hylas - Eu pensei que ele não falasse grego.

Philonous - Não falava, quântica é foda.

Se a luz que tens em ti são trevas, como não vão ser as próprias trevas?

- É isso, ele fala de Laylah!

- Thumbs up!

- Aye!

9.

Oráculo da Portokali

Hylas - Mas e quanto àquela sua idéia absurda e cética da inexistência da realidade material? Você ainda sustenta ela, querido irmão?

Philonous - Absurda e cética? Quisera eu que nossas opiniões a respeito da realidade fossem submetidas ao vulgo – ao homem comum, ainda não corrompido pela abominável lavagem cerebral da erudição; que lhes perguntassem o que acham mais razoável: ser a matéria ou o espírito a causa ‘material’ da realidade. Pertenço à casta da gente comum, bastante simples para acreditar nos sentidos e deixar as coisas como as encontra.

Hylas - ...

Philonous - Duvidas? Pois este cérebro de que falas, sendo como é, uma coisa sensível, não tem existência senão na mente; te parece razoável que uma idéia, que só na mente existe, seja justamente a causa das idéias? Além dos espíritos, tudo o que conhecemos são as nossas idéias.

Hylas – Então Azrael é mais real que a minha geladeira. O ponto é que ainda não estou tão certo de confiar o futuro da nossa empreitada a um velho montado num cavalo com uma lança, e que não tem um olho.

Philonous - Imbecil. Primeiro que foi só o esquerdo, e depois, ele o trocou pelo conhecimento da fonte de Mímir. Isso conta. Não vamos pedir pra ele escolher nossas esposas, afinal de contas.

Hylas - Não seria melhor pedir conselho para aquele outro lá... o cabeludinho que se fantasiou de Freya pra recuperar o Mjolnir.

Philonous - Claro que não. Qualquer gigante meia boca deixa ele se borrando com meia dúzia de ilusões.

Hylas - Bom, enfim. E o que vamos lhe perguntar?

Philonous - Não acho que faria diferença. Vamos invocá-lo e ver no que dá.

- Bom. E como nós o invocamos?

- Acho que não tem entrada de invocação, tem que invocar com blóta.exe. O bom e velho sacrifício humano.

- Que horror. De quem então? Só tem nós dois aqui.

Cai uma lança dos céus, finca-se ao chão.

- O seu, é claro. Eu consigo te reviver até o próximo Oráculo. Você provavelmente me deletaria do lixo, seu animal. Besides, Nous é imortal.

Blóta.exe : Hylas

Eu, o mais poderoso de Aesir, filho de Bestla e Borr, que derrotei Ymir com meus irmãos, não tenho porque dividir meu conhecimento com vocês. Minha resposta é mais óbvia do que seria a de Ares.

- Vamos te trazer o Ragnarok e o Sr. Não nos dá nada?

Bom. Se você, quando reviver seu amigo, arrancar-lhe o olho esquerdo pelas idiotices que disse, eu lhes dou um presente.

- Tem minha palavra.

Não é tão simples assim. Temos que selar o Pacto com Sangue.

- Como?

Eu o revivo e você arranca seu olho esquerdo. E então, o presente é vosso.

Restaurar arquivo: Hylas

- John, me desculpa. Mas é pelo nosso bem.

- O que? Alias, o que estamos fazendo aqui ainda? Porque o velho está aqui?

O próprio Oráculo lhe arranca o olho esquerdo com a lança. Pacto selado. Quando o olho tocou o chão, transformou-se num frasco antiqüíssimo, porém, adesivado.

Lia-se: God's Tears (active principle: gosunol) are known to stimulate the creation of artificial synapses directly in the brain, which can emulate the effects of every psychogenic drug known to man, usually together, and without direct physical harm. Such a groundbreaking abuse drug is thought to be a gift from God himself, hence the name, for God hath wept after such marvellous creation.

Philonous - Acho que tudo correu bem, foi um pequeno preço a ser pago.

Hylas - Isso é porque não foi você quem foi deletado, restaurado e depois perdeu um olho.

Philonous - Eu o teria feito, de livre e espontânea vontade, não fosse minha natureza incorpórea, lil’ brother.

Hylas - Filho da puta.

10.

Meta-Oráculo

- O que será que nos aguarda desta vez, brother sir?

- Sinto algo inesperado.

Queridos leitores, eis que chegamos ao Oráculo intermediário na jornada de nossos heróis. Por um lado, sinto o peso da responsabilidade sobre meus ombros, e, por outro, não vejo outra opção oracular superior a esta, para glorificar o centro, ao qual todas as coisas tendem por natureza, desta palhaçada.

Mas basta com isto. Estou aqui para dar meu parecer. Serei mais objetivo com vocês, queridos filhos, John Hylas e George Philonous. Porém, reivindico desde já o direito oracular do parecer tendencioso. Está bem para vocês?

Philonous - Temos opção?

Creio que não, infelizmente.

Hylas - Bom, then go ahead.

Nay.

Hylas - Isso não me parece bom. Mas enfim, um Oráculo é Um oráculo. Não mais que isso.

Philonous - Devíamos hermeneutizar o veredicto?

Hylas - Nay é Nay, George.

11.

Oráculo de Yaqui

- Creio que precisamos de algo... diferente.

- Como o que? Zoofilia?

- Não, lil’ brother. Me refiro aos Oráculos.

- Eu tenho uma boa idéia. Permite-me, brother sir?

- Com prazer.

- Lophophora williamsii, Datura inoxia, Psilocybina!

Vocês estão atormentados por problemas.

Hylas - Somos apenas homens, Dom.

Pensam demais em si mesmos. Isso os leva a fechar o mundo em torno de si, agarrando-se a argumentos. Também sou apenas um homem e não digo isso do mesmo jeito que vocês.

Philonous - Como é que você diz?

Venci meus problemas. Vocês precisam aprender a Ver, não só olhar. Quais são suas predileções?

- Eu gosto de dançar.

Bom, Sacateca, bom. Dance.

(De pé, com a planta do pé esquerdo servindo de apoio, sua mão cai, imóvel, estranha. Cruza o direito atrás do calcanhar esquerdo e o bate no chão ritmicamente, de forma suave. Philonous se sente desconfortável com isso, vira as costas, e se afasta, fazendo com que o Oráculo risse deliciosamente).

Uma vez, o pequeno Carlos removeu um inseto rastejante que julgou indo em tal direção, e colocou-o adiante, como que o ajudando dentro do que supôs que ele estava fazendo. Repreendi-o por ter interferido em algo que não entendia, e ele fez menção de colocá-lo de volta. Isto está também estaria completamente errado.

Apenas lhes digo que nenhum Nagual conseguiria vencer esta batalha sem a ajuda de seu Tonal.

Hylas - Nay? Mais um? Precisamos de alguém mais lúdico da próxima vez, George.

12.

Oráculo Nu

Philonous - À ponta do garfo, caro Hylas. Nossa jornada nos conduz inexoravelmente à verdade nua.

Hylas - We see God through our assholes in the flash bulb of orgasm. The way OUT is the way IN.

Philonous - That’s the spirit. Mas vai ser difícil arrancar deste o que queremos. The Dead and The Junky don’t care. They are Inscrutable.

Hylas - Podemos oferecer a ele um pouco de God’s Tears. Não se lembra do que disse? If God made anything better, he kept it for himself. Está aqui, conosco, o produto ideal. No sales talk necessary. Não venderemos nosso produto ao consumidor, mas nosso consumidor ao produto.

Philonous - We do not improve and simplify our merchandise. We degrade and simplify our client. We pay our staff in Junk.

Derrubam algumas gotas no asfalto, em gesto de oferenda.

Invocam-no: I can feel the heat closing in.

I Must report virtual absence of cerebral event.

- Temos algo que vos fará bem, Lee. Beba Isto.

I, William Seward, captain of this lushed up hash-head subway, will quell the Loch Ness monster with rotenone and cowboy the white whale. I will reduce Satan to Automatic Obedience, and sublimate subsidiary fiends! I will banish the candiru from you swimming pools!
Wouldn’t you?

- Glória.

Shoot the bitch and write a book, that’s what I did.

- Aye!


Hylas – Mas é foda isso. Você nunca pode saber que vai morrer; só porque a tia de um cara morreu, isto não quer dizer que eu vá morrer. É sempre assim; você duvida da morte, alguém aparece com a infalível prova da tia. Mas eu sou um homem do senso comum, não acredito nestes impropérios. E é o problema da indução, é só alguém estar vivo que está provado que ele não necessariamente tem que morrer.

13.

O Sétimo Oráculo

[Caminham, nossos heróis, ao longo do rio Liffey]

Hylas - Ótimo! Já foram todos os mais importantes, temos informação suficiente, vamos em frente. Theosis!

Philonous - Espere lá, Hylas. Fomos buscar auxílio dos Great Old Ones pra saber se devíamos ou não empreender nossa busca. Lembre-se das palavras do mestre Voldo, a verdade não é uma puta num leilão. E para jogar com os Grandes, temos que seguir suas regras. Isso implica em um sétimo Oráculo.

Hylas - Qual será então, meu irmão?

Philonous - Não sei. Alguma idéia?

Hylas - Podemos confiar no poder da aleatoriedade, fazer a invocação da primeira coisa que vier a nossas mentes, e ver o que este Oráculo nos diz. Não lhe parece adequado?

Philonous - Run, river, run!

Riverrun, past Eve and Adam's, from swerve of shore to bend of bay, brings us by a commodius vicus of recirculation back to Howth Castle and Environs.

- Entendeste algo, George?

- Beer, beef, business, bibles, bulldogs, battleships, buggery and Bishops! Not a word, brother sir!

- Então fica decidido que nada foi decidido! Isso nos deixa com... 1,2,3 thumbs up, e... 3 thumbs down

- Estamos danados! Que o inferno caia sobre nós, Hylas, We are Doomed! Nunca vamos entender o que significa este Sétimo Oráculo!

...

- Meu caro, é aí que você se engana! Veja, agora tudo fica claro. Este oráculo é inválido. Nós é que somos O Sétimo Oráculo! Não empreendemos toda essa missão para tornarmo-nos Deuses?

- Eu achei que a tínhamos empreendido pra matar a vadia.

- Sim, eu também. Mas agora vejo, fazia tudo parte de um Plano! Você estava certo, temos de respeitar a regra do jogo; por isso, no caminho de tornarmo-nos Deus, Um com o Universo, necessariamente precisamos nos proclamar O Sétimo Oráculo!

- Tens razão, lil’ brother. E o que diz o nosso veredicto?

- Não se lembra? Nosso Julgamento foi o de matá-la! Esta foi nossa escolha, desde o início, e o nosso Voto é o que desempata! Não fica tudo claro agora?

- Perfeitamente! Theosis!

V. Katadikazo

Boa noite, caríssimos leitores! Estamos aqui esta noite, com convidados especiais, para discutir sobre o futuro de nossos heróis, já tão queridos por vós.

A platéia vibra, as cortinas balançam e entra o primeiro convidado: Um samurai imponente, com tanta cara de samurai que se poderia dizer terem os outros samurais a cara dele. Niten Doraku, Myamoto Musachi, O Invencível.

- Boa Noite

Boa noite Musachi. Fiquei grato que não se incomodou em ser poupado da primeira batalha e tudo mais.

- Sim, eu entendo perfeitamente, não haveria graça. Além do mais, eu apreciei o fato de que Arquimedes ganhou. Fez muito sentido.

Obrigado, obrigado. Conosco, o próximo convidado especial, o Negro Bode Pantafálico, Shub-Niggurath!!

A platéia vai ao delírio, e entra uma criatura monumental, aparentemente de madeira, com centenas de tentáculos de bode, negra como a noite, e com exatamente mil pequenos Niggurathzinhos acompanhando-a; presumivelmente, sua prole. Ela grita:

- Ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn

Meu Lovecraftês está um pouco enferrujado, mas creio que ela quis dizer “Eu sou mais poderosa que o Cthulhu, e muito mais amedrontadora, vai tomar no seu cú” ou alguma coisa assim.

Abrem-se as cortinas, e entra agora um mago franzino, com corpo de sprinter, fugindo de um baú, com muitos dentes e aparentemente indestrutível, que deu medo até em Niggurath. Ela balbucia algumas palavras para o mago, dando a entender que sabe que foi ele que fez algo, e que pegaria ele na saída. Chamou-o de Rincewind, mas eu não o conheço. Ele mostrou-se preocupado demais pra responder alguma coisa que fizesse sentido.

Entra, em seguida, um homem de calças pretas, coladas, sem camisa. Cabelos longos, extremamente forte e com cara de quem queria morrer durante alguma batalha épica, mas levando o máximo de inimigos com ele.

- É o Deus Metal! - grita a platéia.

Pergunto-lhes genericamente o que esperam dos nossos heróis. Musachi observa que, desrespeitando todo o código samurai, não poderiam ser bem sucedidos. O Deus metal observa que o código samurai é bom, porque os samurais usam espadas, matam gente e possuem cabelo comprido. Conclui que os samurais vão pra Valhala, e que é isso que importa no fim das contas. Peço-lhes que voltem ao assunto. Musachi afirma que não saiu do assunto, e ameaça-me com sua espada. Peço desculpas, e o Deus Metal questiona que diabos de história é esta em que tornar-se Um com o Universo não é trepar.

Entram outros convidados ilustres: Karl Popper, Richard Dawkins e um Alce! Por favor, sentem-se. Popper começa elogiando a beleza de uma metáfora de Mundo 1 + Mundo 2 versus Mundo 3, e Dawkins observa que as Mêmes são o Mundo 3, e que tudo aqui é Mundo 3 versus Mundo 3, inclusive eles dois, e que a unidade da seleção natural é o gene. Observa também que quando descobriram que os morcegos utilizavam sistemas avançados de engenharia naval, não acreditaram.

Depois, passam todos a discutir o Theo-Solipsismo Quântico dentro do campo da Soteriologia, pois a partir do momento em que só você Existe e todos são fruto da sua Imaginação, você Pode tudo, não sujeito a lei alguma que você não tenha criado, ao mesmo tempo em que nada é de responsabilidade sua, pois os outros foram criados justamente para delegação de responsabilidades. Por outro lado, surge a perspectiva do Anti-Solipsismo como delegação absoluta de responsabilidade muito mais fácil, pois se todos Existem menos você, mero produto do Mundo 3, da Imaginação Coletiva, tudo é responsabilidade alheia e, de quebra, você se torna o mais importante do Universo por ser o único imaginado, a Idéia Artística que Sustenta o Mundo.

Sem mais enrolação - The time has come:


Hylas e Philonous chegam à sala de Laylah, sem a mais remota idéia do que fazer, pois não haviam pensado em planejar esta parte. Começam a discutir, instintivamente:

Philonous - Começo a concordar com aquela sua idéia de que só se pode confiar nos testemunho dos sentidos. O problema é que realmente, os sentidos não validam quase nada.

Hylas - Pois finalmente! Por que é infinitamente mais estranho sustentar que algo puramente inerte possui a capacidade de atuar sobre a mente e que qualquer coisa que não percepcione possa ser a causa das percepções.

Olham-se. Ela não está lá, e eles encontram rapidamente o Inconsciente Coletivo, um computador, e digitam no prompt de comandos: FORMAT C:/

Não funciona. Malditos sistemas operacionais modernos e aleijados.

DIR

Várias opções. Escolhem a última:

Deus ex Machina.exe

Laylah sai do banho, por detrás das cortinas de um palco, de toalhas pretas, magnífica. Ri, deleitando-se ao mesmo tempo com a insolência e com a ignorância de seus visitantes. Uma máquina gigante desce-a, para o nível da platéia, e ela dirige o olhar aos dois. Um alçapão abre do chão, e caem, ambos, na câmara do esquecimento, devorados pelo Cthulhu, que não tanto os mataria quanto provavelmente os eliminaria de toda a totalidade dos mundos. Ele os removeria do jogo.

Eis que, Nada acontece.

E soa a voz de um sábio italiano ao fundo: “Pochi si rendono conto che la loro morte coinciderà com la fine dell’universo”.

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Sobre como falhei novamente e decidi tornar-me um investigador [7/2/2209]

Indo em direção à realidade acabei abraçando o mundo dos sonhos. E que sonho enorme, ininteligível e tedioso. Sinto vossa dor, caros leitores. Aqueles que leram tudo isso não merecem senão escárnio, e aplausos a vós que vieram direto para cá. Mas talvez seja esta a verdade. Seja como for, não importa. O que importa é o que eu desejo: desvelar.

E foi assim que, falhando novamente, acabei como investigador da verdade. Contarei agora alguns destes casos.

Invader Gonzo (os casos de Dr.Voldo)

Caso 1: O Réquiem para Deus em Mi Menor

Divertia-me com dois ou três casos ainda não resolvidos de minha pasta a priori quando uma horrífica e tenebrosa criatura entrou em meu escritório. Um ser humano.

- Doutor Voldo, como eu posso saber?

O verme me olhou nos olhos e uma gota de suor escorregou de sua testa até seu olho esquerdo. Era bonita a moça, com um pouco de esforço. Decidi aceitar seu caso, mas não perderia muito de meu tempo com ele; típico casinho a priori, nada demais.

Mando um pouco de Descartes, explico pra ela o que é realidade formal e realidade objetiva; falo depois do Locke, de como ele não se importava com essas sutilezas metafísicas e de quão maravilhoso é o mundo liberal. Uma opção berkleyniana não seria mal também. Se ela me mandar escolher, eu conto pra ela da opção do jovem Werther.

I AM Voldo.
I utter The Word.
I hear The Word.

The Abyss of Hallucinations has Law and Reason; but in Truth there is no bond between the Toys of the Gods.

I am not I; I am but a hollow tube to bring down Fire from Heaven.

Alguma coisa, porém, estava me incomodando. Fazia tempo já, inclusive, e estava piorando. Uma dor. Não sei bem. Cambaleei até a cozinha, a cólica me demolindo, quase indo ao chão; lembrei-me. Comida. Precisava sair numa incursão ao exterior para comprar comida.

Saí do meu escritório e atravessei o corredor. Sons fudroyantes e caóticos emanavam furiosamente por entre os vãos das portas dos outros apartamentos. Televisão, eles chamavam – uma caixinha de terror radioativo-, e ainda reclamam do meu cigarro. Os animais tem acesso a 3 dígitos de canais diferentes e nem um centésimo deles é de pornografia. Digno de pena.

O supermercado decorreu suavemente. Entediado, e com alguns sacos de compras nas mãos, resolvi buscar casos à maneira cínica. Morder as pessoas nas ruas.

A reação dos cidadãos dessa patética colônia ao serem aporeticamente acometidos jamais poderia ser comparada a um parto.

A maiêutica se torna a arte de esculpir fezes, a técnica de exumar cadáveres e animar zumbis – quando não existe senão esterilidade, pois Deus e a fertilidade foram, há muito, enterrados.

A maior parte dos cidadãos comuns atira revistas de tiragem alta (integrados formados em escrever o que ao outros querem ler para serem lidos por integrados que não sabem ler e precisam de gráficos pra entender) sobre mim quando tento interroga-los. Gritam ignomínias sobre minha pessoa e fogem para suas cavernas; vão interagir com a televisão. Alguns tentam te convencer a comprar coisas – suponho que sejam contagiosos, pois os autóctones os evitam como pragas. Eles não gostam que lhes ofereçam uma venda objetivamente, gostam de ser conquistados por imagens bonitas nos intervalos dos canais. Condicionamento simiesco.

No entanto, alguns poucos acabam sendo convertidos; são estes que me pagam para fazer o que eu faço.

Detetive Voldo
Doutor em neo-epistemologia quântica

***

Eu preciso de uma secretária. A última demitiu-se chorando quando me perguntou sobre o verso de um livro e eu lhe respondi:

- O Universo? É uma piada da Generalidade à custa do Particular.

Minto. Sim, eu sou mentiroso. Nem tenho dinheiro pra arrumar uma secretária e a piada foi ruim. Foi Crowley, pra quem não sabe. Book of Lies. Háháhá.

A culpa não é minha, though. Todo mundo sabe o que acontece com um número mais ou menos equivalente de quarks up, down e strange que atingem tamanho macroscópico.

Sou Uno.

Não possuo órgãos ou sistemas, sou quanticamente imaculado.

A inelutável degeneração de inconscientes nêutrons pela inefável força gravitacional de sua estrela no processo que a transformará numa quark star conduz gloriosamente a balada quântica ao cataclismo nuclear monumental – uma Quark Nova Anarquista – a que chamo de mamãe.

Um óvulo colossal com capacidade incomensurável de destruição.

Papai – o takyon aristocrata que está em todos os lugares ao mesmo tempo por causa das diversas implicações relativas à relatividade da velocidade da luz em uma partícula – choca-se com ela, penetra-a em seu tamanho infinitamente desproporcional ao seu e então: a aurora boreal das colisões entre nuvens moleculares na formação plasmática estelar –

Voldogênesis.

E é por isto que eu sou um mentiroso. Porque eu posso.

Depois de quarenta minutos organizando os casos esparramados pela sala nas devidas pastas, encontrei quatro casos empíricos ainda não resolvidos. Liguei para os clientes pedindo desculpas e perguntando se os casos ainda estavam de pé.

Um deles era numa pequena vila medieval, provavelmente de algum culto obscuro de cartomantes comedoras de ópio. Não tinham telefone. Não sei como diabos a ficha foi parar na minha pasta. Preciso de uma secretária.

Fui para a maldita vila. Fulgor era seu nome, e seus habitantes, consequentemente, chamavam-se de fulgurantes. Fodam-se os outros casos.

Os símios locais me apontaram na direção sem que eu precisasse comunicar-me com eles. Ótimo. Cheguei num amontoado de tábuas de madeira que se passava aparentemente por um lar, e os aborígines me disseram que o crime havia ocorrido ao norte. Próximo de onde estávamos. Pedi que me mostrasse, e ele se negou. Pedi que me dissesse o que aconteceu, e ele também se negou. Filhos da puta. Ou eles são maníacos da superstição com santos enforcados e degolados de ponta-cabeça em seus armários, ou são culpados como o pecado. Eu fico com o amálgama das opções, com todas as implicações horríveis, sórdidas e pútridas que ocorrerem a uma alma em insana consciência. Mas Deus não parece se importar muito com isso, e o filho da puta continuava sem me dizer porra nenhuma.

Comecei a perseguir as pessoas da vila; elas corriam de mim assustadas, até que fui entendendo os padrões de suas rotas de fuga; dei-me conta de que jamais se aproximavam de um casarão no meio da vila, cercadoo por sabujos.
Lembrei-me: God bred the hounds and taketh His pleasure in the sport.

Entrei.

Lá, encontrei uma perna esquerda, duas algemas, uma pasta cheia de documentos, pentagramas desenhados em sangue, no chão e, por fim, um alce. Vivo. Levei-o para meu escritório alegando que era evidência. Ninguém pareceu se incomodar. Fools! Alguém poderia ter sido encontrado vivo no local. Ou em outro local. O mundo é uma grande cena do crime, e todos são evidencia. Até esse suposto cara vivo. Chamemo-lo Waldo. Anyway, Waldo is one of those people who would be enormously improved by death.

Voltei montado no alce e levei o resto das evidências.

***
As algemas e a perna esquerda eram evidências inúteis. Provavelmente deixadas no local do crime por razão de algum ritual local, desses que envolvem santos pendurados no armário. Deus, eles dizem. Mas enfim, o Alce se recusava a falar e a pasta de documentos estava cheia. Hora de trabalhar.

Alguns arquivos sobre as conseqüências da poluição nas nossas vidas cotidianas, outros falando de animais em extinção, de como a poluição mata os animais em extinção, de como a destruição da camada de ozônio entristece os ursos polares; e um particularmente interessante que defendia que, ainda que o resultado fosse uma humanidade imbecilizada (ou mais imbecilizada, que seja), mesmo os fetinhos (a saber, as criaturas nativas que saem do útero ainda despreparadas pra vida e ficam cambaleando como zumbis até que se tornem gente. Faz parte dos rituais desta estranha espécie, suponho; te arrancam pra fora pra te meterem um monte de complexos que te fodem pro resto da vida, pra garantir que todos os habitantes sejam produtivos e religiosos) – eu dizia, o documento defende que os ex-fetinhos podem ficar idiotas mas não devem comer carne. É isso. E também algumas fotos de animais, sangue, muito sangue, e pessoas com caras de malvadas pendurando os animais em ganchos; deus, quanto sangue.

E, por fim, uma partitura em mi menor com o nome de “Réquiem para Deus”.

Tratava-se evidentemente de um roqueiro de militância satanista vegetariana. Ele pode ter roubado a perna de alguém; este alguém pode ter deixado a perna de livre e espontânea vontade ou ele pode ter assassinado alguém - deixando a perna em sinal de oferenda a algum deus local - e enterrado o cadáver. Tudo é permitido, já que nada é verdade. Mataram – sim, o serial killer, o bulldozer epistemológico, Immanuel Doombringer - o supra-sensível, que, sensibilizado, levou junto o mundo das aparências; e os nossos amigos imaginários nos abandonaram.

The All-Mighty, the All-Ruler, the All-Knower, the All-Father Adored by all men and by me abhorred,
be thou accursed,
be thou abolishedbe thou annihilated,
Amen.

Resolvi procurar na comunidade underground da região as figuras conhecidas do movimento. Mas antes, pizza.

O alimento desta terra é até razoavelmente gostoso, apesar de tremendamente sujo e degradante. Enfim, acabei por derrubar quantidades massivas de queijo em um arquivo meu. Não sei o que era, mas parecia batido em uma máquina de escrever:


Estimado Gonzo-Líder,

Encontro-me em território estrangeiro. Quando me atenho a isto de fato, percebo que nunca estive em território familiar, infelizmente; somente por limitadas quantidades de espaço-tempo, tive eu a glória de desfrutar o thaumadzein solar. O belo seria muito mais apropriado, em termos lógicos, para ser o Sol: concedo-vos. Porém, o mundo é nosso para que o estripemos, deturpemos e o que mais nos aprouver; a verdade é, indubitavelmente, uma puta num leilão.

Eu vendo sonhos. Investigo a Verdade e disfarço-a de princípios primeiros, ou verdade. Ou algo assim. É uma questão de linhas em proporção áurea. Mas talvez eu persiga as doxas e apresente-as como alethéias. É o que todos fazem, no final das contas; e não adianta práxis alguma porque a preguiça só é vencida pela tautologia. A preguiça pecaminosa é vencida pelo famoso argumento que atesta que se discordas da Lei, és um infiel. A preguiça psíquica só é vencida pela colocação de que se não aceita a Psicanálise, está bloqueado. A preguiça práxica stricto sensu é vencida pelo já piada-de-novela-das-oito motto anti-burguês. E a preguiça inominável que o relojoeiro cego nos incutiu numa série bipolar de engrenagens e chamou de libido é vencida somente por Mammon. Ergo, minha profissão.

Investigador da Verdade.

A red rose absorbs all colors but red; red is therefore the one color that it is not.

Que texto horrível. Juro que não é meu.

Deu-me vontade de investigar um pouco melhor os arquivos, enquanto faço a digestão. Chá de coca, o melhor desta inóspita e extravagante terra de mortais. As fotos, porém, me fizeram mudar de idéia. Fui atrás dos satanistas.

***
O lugar era um palácio de marfim, monumental; esculturas de gárgulas em marfim branco na porta; uma piscina tajmahálica na frente e tudo mais. Estava rolando uma Balada, com B maiúsculo. Sprinklers de lança perfume, os mais diversos e obscuros petiscos com simulacros de carne, jogos de futebol numa quadra inflável de queijo artificial (com uma bola de soja), futevôlei na piscina de soja, guerra de tofu em cubinhos no jadim, pinball de tapioca, etc.

Rapidamente me aproximei de um dos asseclas do proprietário. Tratava-se do Dr. Gonzáles, um renomado traficante de cocaína com Pós-Doutorado em tortura asteca. Recentemente, porém, resolveu deixar de investir no pó para traficar pílulas de proteína no mercado underground dos vegans.

Diz a Lenda que quando encontrou Deus, Gonzáles teve o seguinte diálogo:

- Jo believes!
- THEN WHY DO YOU NOT WORSHIP ME?
- Becoz I soy real and yousted es only imaginaryo. Muerte to all Fishes!

E então sumiu - sob uma nuvem mágica de cocaína. Não Deus, Gonzáles.

Outra Lenda diz que ele apenas recitou um verso, com inglês impecável:
No! If creation did posses an aim
(It does not.) it were only to make hash
Oh that most ‘high’ and that most holy game
Shemhamphorash.


Todos estavam com suas pernas nos devidos lugares, o que indica que perpetrador escolheu uma pessoa muito discreta, que lhe incutiu a discrição por meio da tortura asteca ou que o aleijado está dormindo com os peixes.

Notei, sentados sob uma sombra enorme (de uma anti-liliputiana folha de marfim), um grupo de jovens vestidos de preto, com cabelos longos, ouvindo o bom Heavy-Metal. Sentei-me com eles e conversamos sobre música. Ganhei o respeito deles quando lhes mostrei uma de minhas identificações falsas, com uma foto minha de cabelos longos. Faz parte de meu método carregar diversas identificações com ocupações e fotos de estilos estéticos diferentes para facilitar a interação social. Não estou interessado em fazer amigos com estes monstros.

Mencionei morar perto da tal vila medieval, e um deles fez menção de dizer que morava por lá; um outro o censurou sutilmente; eu, porém, ganhei ambas as coisas. Desculpei-me e disse que tinha de ir. Esperei no carro.

Fiquei de olho nos dois, até que pegaram o carro e saíram. Não, não vou apelar pra anotar placa de carro. Vou old-school. Theósis. No good trying to teach people who need to be taught.

***

Um opala preto, altíssima velocidade. Os vermes não tinham dó; ao menos estavam provavelmente bebendo e fumando maconha enquanto corriam feito animais pela Avenida Brasil, digitando coisas obscuras em máquinas de escrever e blasfemando-se uns aos outros ao som ensurdecedor de alguma banda de 1980 – portanto, não iriam me perceber. Ou então, foi o que eu achei.

Na Henrique Schaumann, chegando na Sumaré - bem no meio daquele grotesco cruzamento com a Cardeal Arcoverde – o maluco percebe que eu o estou seguindo; para o carro e me convoca pra um duelo.

Eu nunca engoli essa porra. Foi só darem pena de morte pra porte de arma de fogo e acabarem com essa palhaçada de guerra anônima (na Restauração da Natureza, o projeto do último Rei desta porra) que algum engraçadinho acaba inventando sabre de luz. Eles só podem ligar quando recebem o sinal de duelo de outro sabre de luz, para garantir que seja uma coisa honesta. Enfim, eu aceitei.

Quando fomos nos cumprimentar, estendi minha mão – liguei seu sinal de duelo - e cortei a dele; roubei o sabre de luz, acepilhei todos os desarmados que estavam com ele. Joguei gasolina em cima e taquei fogo. Com Voldo não se brinca, crianças.

Abri o porta-malas, as buzinas já me ensurdecendo, a turba ameaçando jogar revistas de dondoca em cima de mim; peguei tudo o que consegui como evidência, e voltei pra o escritório em Perdizes.

***

Descobri em primeiro lugar que haveria uma Rave (a saber, uma festa interminável, longe, suja, com música alta e pessoas felizes do tipo mais insuportável) satânico-vegetariana, com muito metal. É o Solstício do Deus-Metal. Encontrei fotos, da cintura pra cima somente, de uma moça sofrendo sob tortura. O garoto estava nu em cima dela, também nu, com rostos que expressavam alguma coisa bizarra e doentia. Não parecia nem dor, deveria ser outra coisa muito além da dor, que alguém como eu jamais poderia imaginar sentir. São indubitavelmente monstros. A garota podia ser perfeitamente a mocinha que perdeu os pés. Provavelmente era, por isto a foto foi tirada só da cintura pra cima.

Analisando os documentos, concluí que há no centro da cidade uma fábrica ilegal de salvia divinorum que também era um prostíbulo vegetariano do Heavy Metal. O lugar chama Doom. Belíssimo nome. Apostei 20 pratas com Deus que seria lá.

***

Armado de dois sabres de plasma (a tecnologia mais moderna em sua forma pós-fálica), um em cada bainha jedi, dois mini-sabres de antebraço (amplificadores de cotovelada) e dois idênticos nos joelhos (amplificadores de joelhada), fui ao centro da cidade.

A casa era feita inteira de metal, com estátuas de guitarras e de homens fortes, cabeludos e nus segurando guitarras (em titânio) na entrada. Lá dentro, tudo escuro. Liguei os night-googles; ativei o sabre de luz de um idiota incauto perto da porta pra poder ativar os meus, e comecei a matança.

Seria deselegante contar todos os detalhes e enfatizar quão maravilhosamente glorioso e eficiente eu sou em meu trabalho. Porém, não posso deixar de comentar alguns. Por exemplo, foi particularmente interessante observar o sofrimento de um cara já lá pelos seus 40 anos de estrada no metal, pedindo clemência enquanto contemplava meu sabre a centímetros de sua face; eu, fazendo-o jurar que desistia de sua fé no Deus-Metal. Patético. A maior parte deles, porém, preferia ser morta a negar sua fé. Estes caras são mais devotos do que qualquer judeu, muçulmano, cristão ou marxista que eu já vi. Eram, ao menos. Agora que estão todos mortos, dou o caso por encerrado. Vai pra pasta dos resolvidos a posteriori – a famosa pesquisa de campo.

Caso 2: A Bruxaria é Involuntária

Um senhor sóbrio – demais, inclusive; e sobriedade demais só pode ser abstinência - e bem vestido entrou em meu escritório com a seguinte indagação:

- Eu matei minha mulher. Fui brincar de Guilherme Tell com ela e errei o tiro. Como podem me culpar se eu não tive a intenção de matá-la?

Aceitei o caso, com a condição de que ele se refugiasse por um tempo na Interzone.

A questão é razoavelmente clara, mas a maior parte dos aborígines não parece se importar muito com ela. Com exceção dos niilistas e dos supersticiosos da física quântica, nenhum ser humano que siga seu próprio conjunto de crenças conseguirá sustentar logicamente a possibilidade do livre-arbítrio. Não é questão de saber se o que você faz é de livre e espontânea vontade, mas de saber se a sua vontade é mesmo livre e espontânea. Ou melhor, trata-se de questionar se existe mesmo livre e espontânea vontade; uma espécie de abiogênese do desejo.

Evidentemente, isto seria absurdo. A história de enfiar livre arbítrio no meio de uma doutrina com um criador eterno e supremo é simplesmente ridícula; é a típica idéia que se sustenta pelas suas conseqüências e não pela sua própria validade lógica. Mas enfim, seja Deus – que nos fez e sabe o que vamos fazer, destruindo a possibilidade de existência de um universo de possibilidades, e, portanto, a escolha – seja a ciência moderna – com suas leis que possibilitam que tudo seja previsto quimicamente, ainda que algumas coisas ainda não o tenham sido por incapacidade dos cientistas –salvo o princípio da aleatoriedade mista – que sustenta que existem leis da física, existe deus, mas ainda resta espaço para que façamos nossas escolhas (a famosa putaria sincrética) – não me parece restar espaço algum ao livre-arbítrio.

Na mais otimista das hipóteses (a primeira) nossa vida foi traçada antes de nascermos, na eternidade, pela inteligência suprema atemporal – Aion Téleos (Só ele T nóia) – mas ainda temos alguma chance de ir pro Paraíso.

No segundo caso, morremos e foda-se: as leis da natureza são supremas e se conseguirmos chegar a seu entendimento pleno, vamos saber tudo, incluindo as leis de nossa própria vontade, que, portanto, não é livre - restaria a soteriologia estóica - apenas uma marionetezinha nas mãos de um animal selvagem e inconsciente que controla aquilo que você pensa ser – e que, no fim das contas, é você mesmo. Mas nada são os homens além de máquinas de sobrevivência gênicas com centros independentes de tomada de decisão – um hipercomplexo que te dá maravilhosas ilusões ontológicas através da produção histórica da consciência de si mesmo. É, embora sombria, é a opção mais provável.

Por outro lado, é possível que todas estas entidades existam ao mesmo tempo: candomblé, umbanda, cristianismo, cabala e física quântica na roda gigante.

Exu, Santo Antônio, o Senhor do Bom Fim, as permutações fodmatemáticas da Torah, Jeová, Cristo e Albert Einstein, todos dançando e brincando dentro de um grotesco caldeirão sincrético de marfim preparando uma sopa de tofu temperada de super-cordas.

O Telefone tocou.

- Doutor Voldo, temos um caso importante para o senhor. Doutor.

- Doutor está bom.

- Um garoto estatelou na escadaria da universidade católica. Parece que caindo-pulando do quarto andar. Tudo indica que pulou, mas o prédio tem cinco andares.

- Ele devia estar com preguiça de subir até o quinto.

- Foi o que os seguranças disseram, mas a universidade quer averiguar. Até aonde sabemos, ele pode inclusive ter sido empurrado. Eram oito da manhã!

- É. Que tipo de idiota se suicidaria às oito da manhã de uma... que dia é hoje, minha senhora?

- Quarta, Doutor.

- Estou indo pra lá.

***
Lembro-me de ter lido em algum lugar que a Grande e Horrível Ditadura é responsável pela Proibição Polivalente. Os governos, cansados de apertarem o cerco enquanto o consumo das coisas ilegais e proibidas só aumentava - com coisas novas surgindo e sendo proibidas e abusadas - decidiram legalizar tudo. Os exércitos do mundo se aliaram ao vaticano e instituíram a Grande e Horrível Ditadura pra proibir absolutamente tudo, pois tudo o que há na terra é incontestavelmente pecaminoso; só o que está Além desta terra é permitido; o insight foi de um cardeal da Neo-Pós-Neo-Inquisição. Brilhante. O resultado da Proibição Polivalente foi o mesmo que teria a legalização polivalente (assim como o da legalização parcial e controlada); usa-se de tudo e as pessoas são eventualmente presas por motivos aleatórios. Eu, particularmente, nunca abdiquei do café, do cigarro e do peyote.

Mas o ponto não é esse. O ponto é que a universidade católica não mudara desde os primórdios. As discussões continuavam as mesmas: revolução, legalização, propriedade privada e tudo mais. Os estudantes marxistas continuavam dizendo que Fukuyama estava errado e que não é o fim da história - a crise é imanente ao capitalismo. Deus está morto, mas Trotsky não morreu. Nem com um picador de gelo, os comunistas são, aparentemente, imortais.

Cheguei lá, desviei-me de jovens militantes que me ofereciam baseados, fui acometido por um policial (que me confundiu com um traficante) e cheguei ao local do crime. O garoto estava lá, estatelado, ensangüentado. Ninguém fazia nada. Algumas freiras do colégio cristão da região, ajoelhadas, rezavam; os seguranças continuavam mandando os jovens apagar seus baseados e a biblioteca continuava vazia. Aproximei-me; o moleque ainda respirava. Novamente, tudo de acordo com os desígnios do grande T.

***

- Quem foi o filho da puta? (perguntei ao garoto)

- ...

Muito baixo. Aproximei-me, ele repetiu – quase inaudivelmente de forma que mal pude distinguir o que dizia.

Era um nome: Professor Hans.

Esperei que morresse, para garantir que sua informação era confiável. Só se sabe a verdade de alguém quando esta pessoa morre.

Poderia ter sido suicídio, e Professor Hans teria talvez um bilhete de suicídio. Por outro lado, o tal Hans pode ter justamente assassinado o moleque e inventado um bilhete de suicídio. Ou, ao menos, pode saber quem foi o filho da puta.

Perguntei pra comunidade local de anarquistas aonde poderia encontrar o sujeito, e me responderam que ele dava aula de solipsística avançada. O cara é mais culpado que Deus.
Entrei na sala como se fosse um ouvinte.

- Como podemos ver, classe, a única premissa do solipsismo lógico é o Cogito cartesiano; no entanto, um dos alunos observou que o solipsismo theótico parte justamente do Meta-Cogito, ou seja: penso, logo, Outro existe. Tecnicamente tem toda aquela confusão da realidade objetiva e formal que os pós-dualistas deixaram de lado, mas não importa.

- O senhor pode dar um exemplo de aplicação ética do solipsismo quântico, professor?

- É claro. Tome Emílio, por exemplo. Ele precisa saber se deve ou não matar seu colega. Sob a perspectiva que estamos considerando, só ele Existe; os outros, porém, não são fruto de sua imaginação, mas o resultado caótico da dança pós-moderna de partículas quânticas de sua própria fantasia humeana. Não importa que ele tenha sido criado na fazenda isolado da corrupção dos homens e segundo a natureza. Só Existem o Ser e a Lei Quântica, logo, ele pode matar quem ele quiser e quando ele quiser, mas só se ele quiser. Caímos inevitavelmente no Do what thou wilt do Crowley, ou, mais precisamente, Fais ce que voudras, do Thelema rabelasiano. Egoísmo Ético. É interessante notar que a maior parte das pessoas que consegue aderir a este sistema, ao invés de tornar-se feliz e gloriosa como alguém poderia pensar que resultaria de uma total objetificação de todos as entidades aparentemente externas ao Ser, torna-se apenas completamente maluca.

Começou a recitar:

Mind is a dis-ease of sêmen.
Consciousness is a symptom of disease.
Father and Son are not really two, but one: their unity being the Holy Ghost, the semen; the human form is a non-essential accretion of this quintessence.
Dirt is matter in the wrong place.
Thought is mind in the wrong place.
Matter is mind; so thought is dirt.
Resemble all that surroundeth thee/ yet, be Thyself- and take thy pleasure among the living.
This is that which is written-Lurk!- in the Book of the Law.
Therefore is a man only himself when lost to himself in The Charioting.

Neste momento eu não mais me agüentei. Interrompi a aula, levantei, peguei-o pelo colarinho e arremessei-o pela janela da sala.

***

Quando desci as escadas para interrogar o que tivesse sobrado do selvagem Hans, ele não estava lá. Só as roupas dele – um terno velho – e um cartão de visitas. Um caitiff behaviorista, quem diria. Atrás do cartão estava escrito:

Not this time, Herr Doctor Voldo. We’ll meet again [German Accent]

Enfurecido pela derrota que me impôs tão sórdida e vil criatura – o pútrido e pecaminoso saco de carne, um macaco nu -, resolvi assassinar todos os potenciais assassinos.

Descobri na faculdade que o cara era um idiota. Ninguém gostava dele, não tinha amigos e enojava todo mundo. Dava desgosto. Isso quando ele não partia pra cima das garotas como se fossem espetos de algodão doce dependurados sob um toldo de caramelo, ou não enfurecia as outras pessoas simplesmente sendo ele mesmo.

Enfim, a conclusão era simples. Só precisava checar uma bibliografia: Pritchard.

***

Se não me engano, um povo muito sábio (os Zande, ou, Azande, em Adamawa-Ubangi) resolveu um destes problemas quânticos de forma admirável. Pois vejamos.

A bruxaria é involuntária.

O poder do sujeito à distância é reconhecido como premissa quântica da ciência auto-ajúdica pós-moderna, confirmando a sabedoria deste glorioso povo. Infelizmente, era impossível determinar o grau desta influência de forma exata; Sabemos que ela existe em maior e menor grau em determinadas pessoas, mas nossa ciência não possui nada de exato a este respeito. É por isto que os pós-modernos não tinham crédito em seu tempo.

Os Zande, entretanto, possuíam provas claras. Sabiam que entre alguns de nós, há uma espécie de substância-bruxaria (chamemo-la de “Poder Quântico”) que se manifesta na presença de um órgão específico.

Eles também não acreditam em morte natural, só em morte por Poder Quântico. Mas este não é o ponto. O ponto é que recorrem a um oráculo de veneno (o Deus Stricnina) para resolver suas questões; e, sempre que alguém morre, alguém é culpado de Assassinato por Poder Quântico. Resta saber quem.

Procuram na vila os mais prováveis (os que não deveriam ter pensamentos agradáveis a respeito do falecido, como os cunhados e as sogras), submetem-nos ao questionamento perante o Deus Stricnina (que atuava mediante morte ou vida de uma galinha exposta ao veneno, num sistema de dupla pergunta que inocentava o ritual de qualquer falha imaginável), e algum deles acaba sendo incriminado. E o próprio Pritchard concedeu que lhe parecesse um sistema tão razoável quanto o judiciário dos europeus da época.

Isso quer dizer que devo submeter ao meu próprio oráculo todos os suspeitos – ergo, todos os alunos da universidade católica que presumivelmente não gostam do moleque. Cada um deles, ou vários deles, podem ter o órgão do poder quântico sendo manifestado em seus desejos sórdidos de energia negativa sobre o pobre idiota. Somados, multiplicados ou simplesmente coexistentes.

Meu oráculo é a espada.

Eu nunca gostei de alunos de universidade católica mesmo.

***

Todos mortos. Cada um deles. O mais magnífico a respeito da verdade é que apesar de escorregadia e difícil em nossas incursões racionais, ela é perfeitamente clara quando questionada pela lâmina abençoada.

A morte desvela a verdade.



Caso 3: Jim do Pango

O telefone tocou assim que abri os olhos para me levantar. Uma voz feminina tão amedrontadora quanto sedutora começa a falar antes que eu pensasse em dizer alguma coisa.

- Detetive Voldo, tenho um trabalho pra você. Localize Jim do Pango. Você só receberá se encontrá-lo e captura-lo vivo. A recompensa é grande.

- Quanto?

- Você só saberá se receber. E mais. Um outro agente foi escalado para a missão; vocês trabalharão juntos.

- Detetive Voldo works alone.

- Tell him that. Ele já deve estar aí tão feliz quanto você por trabalhar em equipe.

- E como devo chamá-la?

Desligou na minha cara; no exato momento, entra um homem alto, barba mal-feita, roupas americanas de algum século longínquo e um odor avassalador de whisky. Pausada e embriagadamente, o agente apresentou-se:

- Detetive Chinaski. Tenho uma proposta para você, Dr. Voldo. Que tal se trabalharmos separadamente, e quem encontrar o ... como é mesmo o nome do moleque?

- Jim do Pango.

- Isso. Quem encontrar o cara fica com a recompensa. Deal?

- Deal.

- Só mais uma coisa... você teria um copinho de whisky pra nós?

- Some daqui.

Saiu do escritório. Minha infância teria sido muito mais feliz se todos tivessem a mesma aversão ao trabalho em equipe que temos; eu e o Chinaski. Mas até aonde eu sei, ele pode só ter medo de trabalhar em grupo com alguém que é muito bom, ou que não gosta de trabalhar em grupo. Talvez todos sejamos assim.

Por outro lado, Aion Teleos não teria me feito plural em mim mesmo; a multiplicidade de minhas personagens internas atestam o plano que Ele tinha pra mim. Trabalharei sozinho porque estou sempre acompanhado, e ninguém deveria poder me forçar a introduzir mais membros no meu já internamente over-crowded mundo de trabalho.

Mas este Chinaski é um cara estranho. Soube que era bom, mas não o imaginava assim. Me parece um daqueles caras do estilo Pajé, inteligente demais pra ser um cacique e tão sábio quanto aphronético. O cara resolve um caso de assassinato em massa de treze prótons por meia dúzia de impetuosos takyons torcedores do Grêmio, mas é capaz de esquecer se já lavou o sovaco ou não durante o banho.

Seja como for, dificilmente encontrá-lo-ei por aí. Meu método é neo-aporético e pós-onto-genético. Alguns podem pensar que é só sair por aí matando as pessoas e inventando teorias absurdas, mas não. É claramente mais do que isso. Assim como a rotina de um desses tele-junkies – o pior imaginável tipo de adicto desta terra – pode parecer um amontoado de ações aleatórias de um controle remoto, um deles poderia explicar perfeitamente as razões que o fazem mudar depois de vinte minutos do canal 340 ao 973, ou do 1230 ao 13 em alguns segundos, ou ficar simplesmente cinqüenta minutos apertando o botão ‘channel up’ do maldito controle remoto.

Um ser vivo normal não saberia distinguir entre mais de 3 tipos de canal entre todos os milhares disponíveis, e isso considerando que um deles seja de pornografia sado-masoquista. Não mais do que um cristão saberia distinguir entre uma hóstia com 60% de MDMA de outra com 20%. Veriam seu Deus em ambos os casos, de uma forma ou de outra. Somente um deles consegue captar as sutis, obscuras e inimagináveis especificidades dos teatrinhos caóticos de ruído visual, sonoro e doutrinático que lhes apresentam.

Fica claro, portanto, que a existência dos tele-junkies comprova a efetividade de meu método de investigação.


Liguei pra um antigo contato, o Marquês de São Germano.

- Marquês, é o Voldo.

- Meu querido, long time no viddy. Lembrei-me de você esses dias em uma de nossas reuniões secretas na minha biblioteca de volumes raros; estávamos conversando sobre...

- Cut the crap, Marquês. Você me deve um favor e eu quero ele agora. Onde eu encontro o Jim do Pango?

- Eu não posso lhe dizer, mas posso levá-lo a quem o sabe; não posso, no entanto, garantir sua segurança lá. No Mercado Voador você encontra todos os tipos de malucos. Sei que ele já passou por lá, só isso.

- Desliguei. Era tudo o que eu precisava saber.


O Mercado Voador é uma enorme aglomeração dos mais vis e pérfidos cidadãos: publicitários, jornalistas, traficantes incompetentes, advogados e trambiqueiros (eles mesmos chamam a si mesmos comerciantes, embora o nome tenha caído em desuso fora do Mercado). Todos oferecendo seus serviços.

Na entrada constam os seguintes versos:

Peace implies war.
Power implies war.
Harmony Implies war.
Victory implies war.
Glory implies war.
Foundation Implies War.
Alas! For the Kingdom wherein all these are at war

E ao lado:

Si vis pacem, para bellum – In hoc signo [seguido da insígnia representativa universal do Alce] vinces.

O grande problema é que não existe nenhum tipo de autoridade policial lá. É território anarquista. Desde que a Polícia Civil foi comprada pela CMIS (Corporação Maligna do Império de Silício, dona de boa parte do mundo como conseqüência do boom de tecnologia) e a Polícia Militar pelo Sindicato dos Metalúrgicos, apenas o B.O.P.E trabalha de verdade. E o Caveirão não se importa com a escória – portanto, jamais viria a um lugar como o Mercado Voador. Infelizmente, de lá não se adianta pedir pra sair.

O Mercado acontece mensalmente, e até hoje não houve uma vez em que não fosse dizimada mais da metade dos que por ali passaram, como decorrência dos diversos tumultos aleatórios e generalizados de acordo com a Lei da Briga Exponencial (segundo esta lei, nos ambientes ontologicamente incompatíveis com disposições de caráter virtuoso em que a masculinidade imperar, qualquer foco de tensão transformar-se-á em uma briga, e, toda briga, em caos generalizado – o que implica em incontáveis e dolorosas mortes para todos os lados – se é que haverá algum lado - envolvidos).

Como isto vem ocorrendo no Evento em questão há séculos, não há um presente que não esteja violentamente armado até os dentes, disposto a morrer levando numerosos contingentes consigo. É assim que morrem as vítimas inocentes: maior contagem de casualidades – e, portanto, mais honra e mais chance de entrar em Valhala – para cada um dos que sabem que morrerão.

Brevis esse laboro: obscurus fio.

Não havia porque esperar acontecer. Se Hegel pode virar Platão de Ponta cabeça e Marx pode virar Hegel de ponta cabeça, eu posso virar a Lei da Briga Exponencial pra onde eu quiser. Se eu começar matando todos os potenciais assassinos em massa, os potenciais covardes imperarão e as brigas cessarão ao invés de elevarem-se ao grau de Panticídio.

Verba tene, rem sequentur.
Vox Voldo, vox Dei.

Eu sou tão surpreendente bom que até me surpreendo. Eu estou sempre certo.

Infelizmente, a realidade erra com certa freqüência.

Mas ainda que discorde de meu argumento, a realidade não passa de mera sombra do Verdadeiro que é iluminado pelo Sol - do lado de fora da caverna: e, este sim, jamais discorda de Voldo.

Em vinte minutos, o lugar estava deserto. Alguns sobreviventes sobre as árvores, outros se arrastando e mugindo como zumbis ruminantes; ninguém para interrogar.

Chequei meu score no Neo-Phone (a minha versão é razoavelmente antiga, mas ainda assim tem diversos features legais: contagem de assassinatos [frag], de foras, de punhetas batidas, cigarros fumados, etc. Toca as músicas que ele próprio produz no gerador aleatório de harmonias e ritmos, reconhece mídias ainda não inventadas e tem memória infinita. E, é claro, indica suas contagens em número absoluto e percentual de Health e Mana, o básico. E pensar que antes eles serviam pra fazer ligações telefônicas). O número estava alto. Alias, todos eles estavam. Esse negócio devia vir com ajuste de nível de dificuldade.

Estava me preparando para ir embora e um semi-sobrevivente começa a se levantar por debaixo de uma dúzia de mortos. Levantou-se dolorosamente, com um ar inconfundível de ressaca, limpou-se e olhou atentamente em volta. Parecia razoavelmente perdido, mas inteiro. Olhou-me nos olhos e o reconheci: era Chinaski.

- Dr. Voldo, o senhor saberia me dizer o que aconteceu por aqui? Estava muito bêbado, cheguei adiantado e tirei uma soneca.

Antes que pudesse pensar em responder, uma mulher maravilhosa apareceu do Absoluto Nada. Sua beleza, no entanto, era seriamente mais inacreditável do que sua aparição abiogênica. Disse:

- Eu pensei que vocês iam deixar alguma coisa pra mim. Sorte a de vocês que estão ambos errados e que o Jim do Pango não estava, está ou estará por aqui. Incompetentes.

Desapareceu. Chinaski quebrou o silêncio:

- A Lady Death é realmente inacreditável.

- Lady Death?

- É. Insisti tanto em saber seu nome que ela me mandou chamá-la assim. Cool, não?



Acabei aceitando tomar umas com o Chinaski. No mínimo, o cara tinha estilo. Um simples e fétido humano, mas estiloso. Perdi a conta de quantas tomei. Tentei bancar o macho e acompanhar meu ‘parceiro’, mas era impossível. Quando menos percebi, minha porcentagem de álcool no sangue (sim, há para a minha versão de Neo-Phone um plug-in para percentual alcoólico no sangue) estava próxima da minha contagem de hemácias.

Não dava pra esperar. Tinha que ser agora. Peguei a minha bolsa e engoli a seco dezenas de botões de peyote. Um pra cada ml de álcool que eu ingeri. The Ultimate Cure.


Quando já estava amaldiçoando o filho da puta que havia me vendido a mercadoria – é sempre assim com peyote – Zang.

Chinaski se foi.
Lady Death se foi.
O bar, a cidade, se foram.

Uma floresta. Vegetação alta e escura. Uma nave espacial estratosférica pousa logo ao meu lado e saem duas figuras alienígenas macabras. Um pequeno e aparentemente inofensivo monstrinho verde de olhos rosa-choque e antenas delicadas ao lado de um robô minúsculo com um olhar devastador; não sei se algum homem desta terra poderia equiparar-se em poder destrutivo à simples presença desta entidade maligna.

A figura alienígna, vestida à maneira – que seja, vou entregar – thompsoniana, apresentou-se:

- Dr. Voldo. Sou Jim do Pango. Chamam-me de Invader Gonzo. Estou com você há muito tempo, embora sua pessoa possa vir a desconhecer tal maravilhoso fato.
Voldo. Você é meu agente. Trabalha pra mim, sempre trabalhou pra mim e continuará trabalhando para mim. Imensa é minha resplandecência.

Sou seu glorioso gonzo-superior.

Não importa o que você faça: Jim do Pango é rousseauniano. Deseje o quanto quiser, pois você só desejará o que meu estupendo eu quiser que você deseje. Liberto suas ações para controlar sua vontade.

Filhos da puta. Eu sabia. Eu não era humano. Eu não sou humano. Não sei, no entanto, se fazer parte da raça de Jim do Pango é muito melhor do que ser da espécie de Chinaski.

Mas o caso estava resolvido. A barrinha azul estava piscando, junto com um botão colorido. Resolvi apertá-lo.

O resultado foi uma fireball rank 666 que fulminou Jim, sua nave e, virtualmente, minha recompensa - embora não o pequeno robô com aspecto de poodle maníaco, que comeu todas as evidencias de meu crime e saiu segurando um balãozinho de alce.

The Inefable moosy fate.

Chinaski vai ficar chateado.

Foda-se. Foi só mais um caso.

Intervalo: Monster Corp Warz

O maior evento esportivo do mundo há alguns séculos: Monster Corp Warz, desenvolvido por meta-positivistas da Federação Monárquica da Coca-Cola. O Estádio é um prato de sobremesa de tamanho relativamente grande (para um prato de sobremesa); a partida consiste em seis times (bandas) com 36 jogadores cada; o objetivo do jogo é pegar uma bola e ficar mais de cinco segundos com ela nas mãos; não há faltas ou regras e os jogadores são trabalhadores das respectivas corporações envolvidas: os times são os grandes players do mercado, nas mais diversas áreas.

O campeonato é anual, cada ano no Estádio de uma Corporação diferente. Cada time participa de cinco partidas em um campeonato; algumas regras são alteradas a cada Evento segundo a Jurisdição Corporativa da Área de Influência em questão. A palavra Estado ainda existe, mas somente meia dúzia de Eruditos ainda a utilizam.

Hoje, o governo não passa de uma sombra fulgurante da polução noturna subseqüente a um pavoroso pesadelo de uma criança autista de quinze anos. Ou algo do gênero.

Depois de séculos de conquistas do proletariado, o sistema capitalista finalmente cedeu o governo para o povo – alguns Aeons, porém, depois de ele ter perdido absolutamente qualquer perspectiva de poder efetivo. E ceder o governo para o povo significa no más burguesia iluminada em suas rédeas, o que significa, por sua vez, anarquia.

As fronteiras não são mais geográficas, mas efetiva e objetivamente econômicas. Não como nos velhos tempos, quando elas já o eram - mas os livros de geografia ainda fingiam que não sabiam. A jurisdição de cada delimitação territorial está sob o poder de um conglomerado de corporações, ou uma só. Desistiram de banir monopólio desde que perceberam que não fazia a mais remota diferença. Mas este não é o ponto.

O ponto é que em cada Estádio, sob a jurisdição de um diferente Conglomerado Corporativo, as regras mudam. Sob as Jurisdições em que impera a sobre-abundância de mão-de-obra em níveis economicamente prejudiciais – coisa que antes não era imaginada possível: mas depois de um tempo já não havia mais espaço físico para empilhar as forçadas mercadorias desnecessárias nos cubículos cada vez menores de cada cidadão, ainda que elas tenham ficado cada vez menores-, o número de jogadores reserva e de substituições que um time pode fazer é ilimitado, ou menos limitado, do que nas áreas de influência ‘escassas’ de mão-de-obra.

Objetivamente, o jogo é um total caos massácrico, pantagruélico, chacínico carnificínico, cládico e hecatômbico com um objetivo razoavelmente vago e inútil - somente é alcançado, evidentemente, quando todos os jogadores de outros times estiverem catatônicos ou falecídicos. É a melhor parte de todos os outros esportes desde os pan-helênicos dominados por Milo de Crotone, passando pelo tlachtli azteca até o american football.


As vantagens do alto grau de vilania de cada partida são evidentes economicamente e soteriologicamente: mais público, mais dinheiro e mais verdade.

O problema quanto ao ínfimo valor do passe de cada jogador foi resolvido no Ato de Reencarnação, proposto pelo pedagogo do time da Corporação Niilista (os maiores no mercado de acessórios estéticos para anarquistas): o valor do passe de cada jogador é o valor da camisa (o número) a qual pertence; o valor de cada camisa é proporcional ao número de frags que seus portadores somaram vestindo-a.

É importante lembrar também que segundo a Lei Etérea de Lavoisier, a somatória do valor quântico de Ser de cada uma das almas vivas em um espaço é imutável ao longo do tempo. Isso quer dizer que se a população aumenta, cada indivíduo é dotado de menos Ser. É por esta razão que os cavaleiros medievais faziam tantas façanhas, que Aquiles era tão bom e que Deus pôde criar o Universo. O Um, a Mônada, Aion Teleos - é a Somatória Suprema do Ser.

Esta Lei foi aprimorada pelo ex-campeão mundial de Starcraft 7, que promulgou ser impossível que cada alma retirada de um corpo – morte – vá imediatamente para um bebê que irá nascer, e confirmou não ser do feitio do Criador criar uma sala de espera para as almas; logo, conclui-se que o Ser dos filhos absorva parte do ser das mães, que vai sendo drenado aos poucos até sua morte (a não ser que a matem, e aí a única forma legítima juridicamente é o assassínio do ladrão de ser para recapturar o que lhe caberia por direito) e que, por fim, o ser do assassinado vai automaticamente para o assassino.

Ergo: mais Frags, mais Ser.

Aqueles que acumulam mais Ser são chamados de Meta-Aristocrátas ou de A Elite Onto-Genética.
Silent leges inter gosuness.


Os trabalhadores ainda obtêm algumas vantagens quando participam de tal espetáculo: sobreviver ao Monster Corp Warz significa receber um plano de saúde melhor, uma bolsa escolar para o primogênito e licença para trabalhar em casa por aleijamentos diversos recebendo um salário maior como compensação dos danos. É perfeitamente razoável, se você pensar com muito carinho.

É interessante que aos revolucionários só falta o carinho. As teorias conservadoras são perfeitamente razoáveis quando analisadas com carinho, embora um olhar científico comprove-as, geralmente, como sendo inaceitavelmente absurdas. É o carinho que une as peças do quebra-cabeça conservador. É o carinho que falta aos revolucionários.

Pizza.


Os esportes foram sempre todos mais ou menos assim. E eu sempre fui contra todos eles. Mas quando alguém tem a cara de pau de instituir efetivamente o que as coisas são, e, ainda, de ser bem sucedido, eu dou minha total aprovação. Voldo sempre apóia a Verdade, principalmente quando ela é uma tremenda e pavorosa Mentira.

A vantagem é que não precisamos mais escolher entre a preguiça e o louvor: assistir ao jogo no conforto do seu lar ou gritar theósis quando aquele seu numero da sorte do time da sua marca de calçado preferida torna-se um com a bola. Podemos ir pela interface virtual.

Ao invés de ver televisão e pagar pra porra da companhia de tv à cabo (os mais ineficientes técnicos, administradores e responsáveis de telemarketing da história da humanidade), pagamos pra nossa corporação favorita (a arrecadação dos ingressos vai toda para os setores de desenvolvimento de novos produtos) e vamos virtualmente ao estádio.

Um incauto poderia perguntar: ora, se vão os torcedores virtualmente, porque não vão os jogadores também virtualmente para que não precisem morrer na vida real? Se você morre virtualmente morre na vida real?
E a resposta a isso é: não, caso contrário não faria diferença; e que graça tem ver morte de avatar virtual de golem?

Theósis!

¬¬¬
Nickname: Slayer666

Loguei ao servidor da CM (Coma Merda), sede da partida de agora.

Milhões de torcedores unidos pelo delírio apoteótico da catarse esportiva.

A partida começa: o time da casa, em formação de falange, devasta boa parte dos outros jogadores. Mas o free-for-all é imprevisível, e é isto que torna este jogo tão mais fascinante que os antigos esportes dualistas. Não importa qual time é o melhor. Importa quem promove a maior carnificina e o maior grau de delírio da torcida.

O antigo método de decisão de vitória, chamado de pueril pela escola aristotélica, foi instituído por um pedagogo da ex União Soviético Neo-Espartana (atualmente área de influência em MAD, parte da Federação Nuclear - gigantes do enriquecimento de urânio - e parte do Império Tofu - líderes na venda de alimentos para os vegetarianos ortodoxos), e consistia na reunião de todos os CEOs de todos os times envolvidos na partida, dentro de uma pequena sala isolada, com notebooks nos respectivos colos, fazendo anotações relativas à quantidade de glória (medida pelo barulho da audiência virtual) em cada momento especifico da partida. Ao fim da partida, eles comparavam suas anotações e associavam cada momento a empreendimentos específicos de cada time ou jogador; decidiam, então, qual time desempenhou melhor o papel catártico e apoteótico ao qual foi designado.

Felizmente, este método foi trocado por um muito mais pragmático e eficiente que consiste em avaliar qual time (qual corporação) arrecadou mais fundos para a Sede da partida (a Corporação da casa), e conceder-lhe a vitória.

E, obviamente, a Lei da Tradição – a mais forte de nossa espécie – assegura que o bom funcionamento geral do jogo permaneça inalterado, ainda que todas as regras gerais de decisão sejam alteradas. Ao menos, até que outro esporte comece a dar mais dinheiro.

Esta partida seria vencida pelo time da casa (no novo método, temos a vantagem de saber de antemão quem será o vencedor da partida, e evita-se o momento de tristeza subseqüente à esperança alimentada pelo relógio e abiscoitada pelo apito). Estava esperando, porém, pra ver quem seria o King of the Hill, ou seja, o último sobrevivente com a bola nas mãos (se é que haveria algum; muitas vezes, não há sobreviventes à partida).

Quando faltavam em torno de 30 jogadores para a partida terminar, notei um jogador particularmente familiar. Do time da Editora EMA (Eu Me Amo - zilhões de dinheiros arrecadados através da exploração auto-ajúdica dos suicidas imbecis em potencial, especialmente pela coleção Stricnina Unveiled, que destrinchava minuciosamente todas as diferentes influências que a sua handwriting e as cores de suas canetas podem ter nas mensagens quânticas que você escreve sobre si mesmo). Filho da puta.

Era Hans. Professor Hans.


Não tive dúvidas. Invadi o prato, abocanhei a camiseta de um zumbi vegetando no chão e parti pra cima do cara. Foi feio. A partida mais longa que o Corp Warz já engendrou em seus séculos de Capitalismo Fálico (Depois das fases mercantilista, imperialista, industrial, selvagem, financeira, neo-financeira, pós-corporativa e mammônica, o capitalismo evoluiu a seu estágio, este sim, final : O Capitalismo Fálico).

Ao fim, depois de minutos espancando a face do Dr. Hans, ele ri, e diz:

- Te Esqueces de que o mundo3 é ontologicamente incompatível com mundo2? Você não pode arrancar minha alma com uma representação virtual - um memes animado – seu símio meta-bípede. Você pode ter ganho de mim aqui, Voldo. Mas perdeu algo muito maior. Sua honra.


Não entendi, mas Chorei, como não chorava há muito tempo.

O Onanismo, porém, tem um carinho mágico todo especial para me elevar, momentaneamente, à glória resplandecente do thaumadzein.

Auto-Theósis.

Caso 4: Cocytus em Aiur

“O que não entendiam os modernos de antigamente é o fato de que os mais macróbicos termos são justamente os melhores para a deturpação neologística da pós-modernidade. ‘Ninguém usa’ significa ‘o senso comum ainda não profanou’: são termos purificados pelo desuso - virgens babilônicas himenorrafizadas, prontificadas para o sacrifício no fabuloso altar sincrético da gloriosa Revolução Solipsística.” - (Hans, Professor: “A Revolução Solipsística”)

Telefone.

- Detetvive Voldo, píncaro acepilhador, bom dia?

Chamada a cobrar da Suméria. A mesma voz que avisava meu tataravô das chamadas a cobrar em seu tempo.
Bip

- Detetive Voldo, sorvedouro de mana, bom dia?

- Cut the crap, animal. Aqui é Lilith.

Sua voz soava como uma abominável aeon-cursed e nonagenária tempestade. I could smell the ugly brutes.

- Eu preciso que você mate uma pessoa.

- Matar? Eu, Voldo? [Risada inconvenientemente longa e fantasmagórica] Voldo é Investigador da Verdade, não fumador de haxixe. Você deve estar com o número errado, ou procurando outro Voldo.

- Não banque o engraçadinho.

- Se não você vai fazer o que? Me matar? Todo mundo morre!

- Porra Voldo, você quer uma missão ou não?

- Yes, I do.

A moça era firme. Muito firme. Sua voz tenebrosa não deixava de ser bela e seu tom me fazia crer que ela seria capaz de estuprar um adãozinho qualquer sem a menor dificuldade. E ainda meter a culpa pecaminosa do estupro nele.
I Will Obey.

- Não sei se você aprecia plenamente seu interlocutor, caro detetive; mas não importa. Com o tempo você entenderá. Meu marido está me traindo, e eu quero que você finde o marido da vulgívaga que ele está fornicando.

- Porque você não me manda matar a própria moça? E que raio de diferença isso vai fazer?

- [Risada breve, mas gloriosa] logo você entenderá. Enfim. Está é sua missão. Os pombinhos encontrar-se-ão hoje, em Aiur, perto de um reservatório de gás vespene. Haverá uma reunião secreta na Fortaleza de Adun e, em seguida, você os verá atrás de uma Pylon vermelha.

Desligou. Uma nova sensação me invadiu. Deve ser isto que as pessoas normais sentem quando terminam uma conversação comigo. Horror. O Horror maiúsculo lovecraftiano, fear of the unknown - aquele unknown que frequentemente vem acompanhado de formas cônicas e ciclópicas.

Não perco esta reunião secreta por nada. Quanto mais obscuro, mais verdadeiro: esta é a lei da verdade hermética. A única Verdade com V maiúsculo é aquela por todos Desconhecida, e é por isto que os filósofos insistem tanto em sua própria ininteligibilidade concomitantemente a suas afirmações de cópula com o bom senso.


Peguei o portal.
Quando cheguei à fortaleza, fui Surpreendido. Dizem por aí que os filósofos são aqueles a quem coisas estraordinárias acontecem o tempo todo; isso, porém, não tem nada a ver com ser surpreendido. Isso tem a ver com uma espécie espanto quântico-fenomenológico, thaumadzein – não surpresa. Eu, porém, não tive uma surpresa. Usei o termo errado. Recomecemos.

Quando cheguei à fortaleza, fui acometido pelo vilipêndio do Mirífico.

Já presenciei trevosidades caliginosas como uma infestação de zerglings num desfile de moda neo-positivista, a queda da torre de babel, o grande dilúvio, uma criança babando sorvete e muitas outras calunias ignominiosas de Deus à minha pessoa. Mas isto era transcendental.

Era, aparentemente, uma Conjura. Entidades inomináveis de todos os panteões: Asag, Astaroth, Azrael, Razial, Nix, Marax, Raijús, sucubus, incubus e centenas de outros. Falavam em línguas incompreensíveis para mim, impronunciáveis por meus órgãos; inimaginavelmente mais complexo do que as invocações lovecraftianas.

Observei-os por um tempo, até que avistei a Pylon vermelha e descobri os dois pombinhos. Eram Metatron e uma górgon. Por Khaz-Modhar, a vulgívaga é Stheno!

O marido de Stheno é aparentemente - para meu óbice vicissitúdico – Baphomet himself.


Um árabe de Medina com cara de bode, chifres enormes e asas de dragão. Não podia ser pior. Esses foram os filhos da puta que acabaram com porte de arma, sem dúvida. Sim, muito mais honra entre nós – só pra que eles possam nos destroçar com suas conjurações obscuras, pernósticas garras e varonílicos Verges.
Ainda bem que eu tenho os volumes franceses e latinos do Dragon Rouge. Antiqüíssimos. Na época diziam que ele tentava se passar por algo de três séculos antes, mas não me importa a esta altura. Além do mais, eram todos iguais. Os paradigmas mágikos mudaram mais rápido do que as bases epistemológicas de sustentabilidade do poder político – magia céltica, magia aristotélica, magia científica, magia quântica. Tanto faz. É obscuro o suficiente.

Encontrei uma árvore perfeita, matei tanto um bode quanto uma criança (o termo em francês é Chevreau, que pode ser tanto bode quanto jovem – a versão em inglês de uma organização hermética internacional traduziu pra criança, a versão brasileira de Rodrigo Ferrari pra bode), arranjei imãs e aço inoxidável.

Fiz todos os rituais, orei e jejuei. Com o braço direito exposto, apenas a lâmina abençoada à mão esquerda e a Verge Foudroytante à direita. Vou pegar esse sodomita.


Encontrei a Sede dos Templários, salva-guardada por dezenas de Arcontes e Dark-templars. Trinta e seis idiotas – musicistas, provavelmente - carregando roupas sujas, divididos em seis bandas, saíram do templo. Os Arcontes os chamaram de Inuisibles.

Casaubon e Eliphas Levi chamaram boa parte da segurança para resolver um problema no Will-Generator Aiwass. Eu Coloquei um tamanco nas engrenagens das pylons principais, corrompendo o bom funcionamento da rede wireless de energia plásmica protoss, thus, concedendo-me uma vantagem.

Agora eu os superava em número de um para dez. Dez Arcontes, tão enormes quanto lentos e azuis. No passado, aprendi que não há nada que um arconte mais goste de fazer do que matar Zerg Queens. No Depósito atrás do Nexus, encontrei uma centena de unidades militares de outras raças alienígenas, convertidas para o exército de Aiur. Soltei as Rainhas.

Em segundos, os Arcontes funambulavam-se lentamente mas imperiosamente sob as rainhas. O Céu iluminou-se pelo glorioso trovejar dos templários.

O caminho estava livre. Entrei no núcleo templário e dei-me de cara com o bode maomético. Baphomet.

Ele, sentado numa espécie de Hlidskialf xiita, observava um pêndulo bizarro oscilando por sobre um mapa.

Entoava uma cacofonia obscura, terminando sempre com “Oh God, the things we do when You’re away”.

Foi então que percebi que no pêndulo estava pendurado um corpo.
Pelo Império, eu o conheço! É Jim do Pango!


Cortei o fio do pendulo com a lâmina abençoada e ameacei Baphomet com a Verge. Jim do Pango ainda estava vivo. Balbuciava alguma coisa sobre Sophia, uns poemas queimados e um parente militar com uma chapa de metal na cabeça. Dei meus últimos botões de peyote ao homem e ele voltou à si. Ele era, de fato, meu onto-congênere. Entreguei-lhe a Verga.

Estava convicto de que o demônio se transformaria na tal Sophia do Belbo, de acordo com a antiga lenda folclórica do Eterno Retorno dos Templários proposta na arché do século XXI por Dan Brown.

Mas a lenda estava errada. O demônio, por sua vez, era real.
Real como uma sombra, mas real nevertheless.


Jim do Pango não titubeou: pronunciou o impronunciável empunhando a Verga, e o Bode revelou-se uma farsa. Transformou-se num Místico com chapéu de cangaceiro, empolado, vaidoso e prolixo, que começou a se explicar em um inglês ininteligivelmente hermético. Explicou que estava disfarçado de Baphomet apenas por que apostara com Fernando Pessoa que conseguia comer as três górgons sem virar Pedra.

Crowley era bom. Desvendava a verdade antes que seu ectoplasma clamasse pela redenção oracular da espada; a verdade desvelada pela morte.

Desta vez, porém, não estou aqui pelos fins, nem pelos princípios primeiros, mas pelos meios – e, estes sim, justificam, no fim, as finalidades.

Finalizei o bastardo.
Caso Encerraro.

Caso 5: Pansemiótica Conspiratória

Bons tempos aqueles em que every word signifieth the quiddity of the substance. O abençoado hebraico adâmico. Apenas atlânticas consoantes em fogo preto sobre fogo branco: o Acme da Vainglory Opera.

Fui comprar cigarros em um bar próximo à minha casa; decoração renascentista e empregados vestidos como rosacrucianos. Reconheci uns sujeitos na mesa ao lado. Resolvi sentar-me ao balcão e ouvir a conversa.

Eram, aparentemente, Sparda, Raziel, Postel e Dee. Conversavam em voz alta, haviam acabado de expulsar Thomas Bang da mesa. Dee estava repreendendo os demônios por não entenderem a sua Mônada:

- Não, não, porra. Você tem aí um instrumento de revelação de qualquer mistério cósmico e não consegue nem usar direito. Notariqon, gematrya e temurah. A Mônada é um instrumento de onto-captura. Um quidoscópio.

Um barulho os interrompeu. A banda que estava tocando ao fundo – versões de clássicos de natal do Savatage – estava coletivamente aos prantos. Um dos membros havia morrido. A questão era descobrir qual deles.

A banda possuía muitos membros e nenhum deles estava sóbrio o suficiente para se lembrar exatamente quantos guitarristas, quantos vocalistas e quantos metais tocavam na banda. Todos, porém, concordavam que alguém tinha sumido.

Quando virei para a mesa dos cabalistas, os demônios estavam segurando A Mônada de ponta-cabeça e discutindo Gênesis 11 e Gênesis 10. Dee e Postel haviam sumido.


Fui ao camarim com os membros da banda e eles me ofereceram chá de chaliponga, ayahuasca, cannabis, amanita muscaria, cubensis, tampanensis e uma tal de philosopher’s stone. Aceitei tudo, fumei salvia divinorum com eles e resolvi entrevistar o baterista.

Tudo começou a ficar estranho. O chão se movia sob mim. Consegui me ouvir implorando por um par de tênis de golfe, balbuciando algo sobre um zoológico de répteis e perguntando se eles tinham Parethrum.

Pouco a pouco a realidade me era arrancada carinhosamente e substituída progressivamente por um universo bizarro, aconchegante e desafiador. Eu conhecia o lugar. Era a Caverna. Estava dentro da Alegoria.


Uma restrita comunidade de Philosophos admirava solenemente a Paisagem enquanto conversava sobre um caso. Chamaram-me para investigá-lo. Afirmavam que um de seus colegas, Sócrates, acabara de ser assassinado pelos babacas agrilhoados dentro da caverna.

Perguntei-lhes como o ubercamarada Sócrates havia sido assassinado, e eles me contaram tudo.

Os patrícios da Caverna (com correntes de ouro e sombras fosforescentes) estavam incomodados com o comportamento do sujeito. Ele e o Oráculo de Delfos estavam amiguinhos; o cara era uma máquina de fornicação. Não havia quem resistisse a seu charme maiêutico.

Como é comum na maior parte dos casos que envolvem a espécie humana, podemos observar um total descompasso entre as causas e as conseqüências históricas. Isso ocorre porque os humanos são idiotas.

A Espécie Humana controla tão bem o decorrer da história quanto à racionalidade aproveita-se do inconsciente para se regozijar. Múltipla incompetência analógica.

Seja como for, mataram o cara por vilipendiar o panteão grego com a corrupção pseudo-monoteísta, ou algo assim. Mas ele escolheu morrer pra provar um ponto. Todo mártir consciente conhece o valor semiótico da morte que desvela a verdade.

Agora a Elite Onto-Genética contemplava as Idéias políticas, do lado de fora da Caverna, decidindo quais pareciam mais adequadas à sobrevivência dos filósofos. Com o tempo, porém, aprenderam que não há governo seguro para eles por que não há mundo seguro para eles.

Nenhum bom filósofo pode sobreviver no planeta dos macacos.

Ele deve recolher seus pertences e comprar uma passagem só de ida para o Mundo3.

Será que alguém pode matar uma Idéia? Se o mundo todo esquecer da existência de uma Idéia não haverá ninguém para garantir sua sobrevivência, e ela, portanto, morre. Mas será que, matando uma Idéia do lado de fora da Caverna, todo mundo a esquece?

Decidi descobrir. Matei todos aqueles que encontrei.

Lembro-me parcialmente de como, mas não lembro bem quem.

Caso 6: Immanuel Doombringer

Deus está morto.

Kant o matou com um .38 carregado de balas de entropia num symposium de prestidigitadores da Interzone.

Como todos sabem, este foi o grande evento apocalíptico da humanidade, porque não foi bem exatamente Deus que morreu. Quem Immanuel matou, tão fria quanto obsessivamente, foi o supra-sensível inteiro. Nietzsche observou que a morte do supra-sensível leva consigo o mundo das aparências. Ergo, assassinou o Universo.

E o Bem? - gritavam os manifestantes.

O Bem, eu vos digo, tem como única esperança a reflexão livre e consciente. O mal não tem Ser, só se pode pensar no bem. A humanidade, no entanto, tem o dom psíquico supremo [este sim, o que os assemelha a seu Deus – capaz de torturar todos os maiores devotos de seu povo escolhido ao mesmo e depois pagar de bonzinho torturando também o próprio filho para, de alguma forma, convencer a humanidade de que ele é Bom] de esconder de si mesma suas próprias ações, bloqueando seu pensamento, seu acesso ao Ser.

A psique corrompe o sujeito tendo em vista a efetividade produtiva da seleção natural.

O ser humano torna-se vil e torpe, como o conhecemos a eras. E o Bem? Por que não o pratica, esta desumana humanidade?

O livre arbítrio salva o Bem como a temperança salva a phronesis. E já dizia o profeta que só se estuda algo que se ama ou se odeia, e, no meio, está Aristóteles.
Ele [o livre arbítrio] é salvo, no entanto, a duras penas, de diversas formas que ruíram ao longo dos séculos. O paradigma cientifico o havia destruído (não é possível que tenhamos liberdade se há possibilidade de desvelar todo o funcionamento do homem e do mundo; se isto é possível, há lei, há padrão, há arché) irreversivelmente, e sua sobrevivência dependeu da subversão lógica empreendida pelo dogma do livre-arbítrio (obviamente absolutamente incompatível com a noção de uma existência suprema onipresente e onipotente, porque não há existência real de universo de possibilidades se o resultado final é uma linha reta – as possibilidades se tornam mera fantasia a priori. O dogma, no entanto, não parece se importar com estas sutilezas; é essencialmente empírico).

Kant, portanto, acabou acidentalmente assassinando o último babuíno que sustentava a esperança do livre-arbítrio, ainda que dogmaticamente clamasse por sua supremacia. Este - sustentáculo do bem - levou consigo a phronesis.

É o chamado apocalipse pós-moderno, do qual Immanuel Kant é causa eficiente, profeta, pastor e messias. Ele resolveu a questão suprema do homem (a saber, to be or not to be), em favor da segunda, involuntariamente, na avalanche de casualidades metafísicas que resultou de sua tão nobre empreitada.

Não há Bem: quer dizer que não há nada – só o não-ser do mal.

Victory for the Not to be.

A questão suprema da mulher, no entanto, ainda não foi resolvida. Vivem em potência e nos dão esperança, porque o ato fálico masculino já se provou insuportavelmente insuficiente.

Stomp on the terra.


Lembro-me, com minha sobrenatural memória, perfeitamente da conversa subseqüente que tive com a cliente deste caso a priori:

- Mas eu não tenho dinheiro. Posso pagá-lo com cerveja, cocaína e boa companhia.

- Minha senhora. Estas em plenas condições de saber o meu parecer sobre estas questões: cerveja é errado, cocaína é overrated e boa companhia é ... errado.

- Está bem, eu te pago se você entrar para o meu culto.

- Culto? Nonsense! Mas, se for rápido, eu entro e recebo a grana.

- Só tem que passar pela Iniciação.

- Iniciação? FOOLS! There is none worthy as Voldo!

E desliguei na cara dela.

Resolvi ligar para esta cliente. Embora minhas recordações sejam sempre em preto-e-branco, agora isto parece me cheirar ao Professor Hans. Ah, o Professor.

I will annihilate you down to your every last cell, filthy beast of meat and hair.


Aparentemente, o Rito de Iniciação era O Beijo de Kundalini. Depois, umas juras de vingança do De Molay e um exame psico-técnico. Weird enough for me.

Quando encontrei a menina, não pude matá-la. Há, porém, um outro método de descoberta da verdade. Muito mais sórdido, mais doloroso, mais alienígena e, sobretudo, mais acrimonioso.

V’ahavta!

O God and Heavenly Father,
Grant to us the serenity of mind to accept that which cannot be changed; the courage to change that which can be changed, and the wisdom to know the one from the other, through Jesus Christ our Lord, Amen.

Não matarás.

Magnificat anima mea Dominum
Et exultavit spiritus meus in Deo salutari meo

Confíteor Deo omnipoténti, quia peccávi nimis cogitatióne,
verbo et ópere: mea culpa,
mea culpa, mea máxima culpa

Doamne Iisuse Hristoase
Fiul lui Dumnezeu
miluieşte-mă pe mine păcătosul

Não Cometerás Adultério.

takbir
Allahu Akbar

Alethéia.

Exorkizein.

A moça contorcia-se no chão, sua cabeça em rotação em torno do próprio eixo imaginário, sua pele podre, babando. Contra-indicações da Verdade saindo de um corpo ainda vivo. Ao menos ela sobreviveria.


A Conspiração dos templários era uma farsa empreendida para obnubilar o mundo da verdadeira conspiração, a Revolução de Marduk.

Por trás de tudo isto, anômalos starspawns seguidores do Necronomicon Pós-moderno da década de setenta do século XX. Os cientistas se referem ao fenômeno com o termo Invasão Suméria.

Seja como for, eles estavam por trás de tudo. Eu estava a um passo da Theósis e nada do Professor Hans.

When violence takes its rotten carcass to the nethermost pits of hellfire, words begin their filthy reign of terror.

O Mundo era belo quando numeravam as guerras mundiais. Primeira Guerra, Segunda Guerra, Terceira Guerra, Guerra Mundial disso, daquilo, etc., mas tempos são outros.

A esta altura, contamos apocalipses. Oh, such dooms we had.

But this is no evidence. This is no case.

This is serious.


Quando dei por mim, estava dentro do culto. Os sumérios introduziram a ayahuasca depois da terceira revolução psicodélica, e eu não sei lidar com os efeitos destas substancias. You see, quando um homem controlado perde o controle, ele aprende a controlar esta perda. Mas quando um homem descontrolado ganha o controle, é impossível descontrolá-lo.

A Negação da Negação nunca funciona.

No auge de minha miseriosa situação, entra o Maestro. Professor Hans. Ao menos eu saberia que não me tornaria um maníaco selvagem tão cedo. Os meus ritmos internos não me permitiriam enquanto estivesse imerso no controle descontrolado. Digo, descontrole controlado. Ou, whatever.

- Distintos senhores. Encontramo-nos a beira de mais um apocalipse. De que lado estaremos? Em breve, entraremos em Júpiter. O Júbilo de Merodach está próximo. Feel the heat closing in. Lembrem-se de Enûma Eliš:

e-nu-ma e-liš la na-bu-ú šá-ma-mu
šap-lish am-ma-tum šu-ma la zak-rat
ZU.AB-ma reš-tu-ú za-ru-šu-un
mu-um-mu ti-amat mu-al-li-da-at gim-ri-šú-un
A.MEŠ-šú-nu iš-te-niš i-ḫi-qu-ú-šú-un
gi-pa-ra la ki-is-su-ru su-sa-a la she-'u-ú
e-nu-ma DINGIR.DINGIR la šu-pu-u ma-na-ma

- Na Guerra que Ashnan, Enkimdu, Ishkur, Lahar, Nanshe, os outros Annuna e o seus companheiros Igigi empreenderam, com nosso jovem e estimado Senhor à sua frente, contra os deuses em insurreição armada, MARDUK provou seu direito ao trono supremo.
A subversão da morte de Tiamat pelas mãos de Enlil foi a verdadeira palhaçada que acobertamos inventando a Conspiração Templária. Não foram a execução de Jaques de Molay e a extinção dos templários o verdadeiro misheard lyrics para obscurecer aquilo que era realmente importante. Foi só um mal entendido histórico: os templários eram tão espertos, homossexuais e beberrões quanto estúpidos.
Enlil é o laranja, o William Shakespeare de Francis Bacon. E é o nosso fardo – mais! O Nosso Destino: trazer de volta o Reino de Marduk!

Os acólitos deliravam. O furor apoteótico do Professor Hans era inenarrável. Operava conversões em massa – algo que eu jamais sonhei alcançar.
Suas ignomínias perpetuavam-se com facilidade televisiva. Fora sua dinastia a responsável pela deturpação da Morte colocando-a ao lado dos outros Three Horsemen. É óbvio que a morte – ou os Shinigamis - não leva ninguém (exceto os magos do Discworld); apenas escreve em seu livro o que seus arautos (Fome, Pestilência e Guerra – sem esquecer, é claro, que após o segundo adendo canônico foram incorporados novos arautos da morte: Anorexia, Depressão e Tabaco. O terceiro adendo canônico, no entanto, promulgou que o Tabaco também não é um cavaleiro do apocalipse, mas outra entidade superior que também não suja as próprias mãos; e então Câncer de Pulmão tornou-se o Sixth Hoursemen) executarão. Mas este não é o ponto.

O ponto é que eu ainda não estou preparado para Dr. Hans. Ele continuará vivo. Permanecerá sendo meu fardo.

Mas eu sou Voldo! Eu decido quando o caso termina.


O Sétimo Dia

Decido descançar, e dormir por horas. Deus abençoe os barbitúricos banidos: Mandrix.