sábado, 31 de janeiro de 2009

Prefácio

Como filho autêntico e pouco orgulhoso dos fins do século XX, eu não possuo uma máquina de escrever e jamais saberia o que fazer com uma. E minha ortografia seria com muita boa vontade qualificada como pavorosa quando comparada a de um anestesista prescrevendo sabe lá o Inefável que derivação opiácea a outro anestesista. O que nunca foi problema suficiente para que eu me propusesse a resolvê-lo. E continuará assim, provavelmente, até o fim dos tempos (‘Quando’ estarei, se tudo correr bem, em Valhala – morto em um conflito épico entre instrumentos de metal).

Mas o notebook não está aqui. Pois Vejam, crianças, a fina ironia de vosso onipotente Pai: eu tive uma chance de ser normal e minha ortografia fez com que eu falhasse. E isto acabou por me tornar um escritor – sempre, é claro, num computador. Mas um escritor, nonetheless. Um escritor sem target, admito; um escritor sem público-alvo, sem público algum, que escreve para quem não é e talvez jamais será. Eu sou o nemesis do produto, da arte direcionada a um ou outro segmento de uma massa de sonâmbulos compulsivos por riquezas, utilidades, por serviço. “Para que serve isto”, “a quem se dirige isto”, etc. etc. E eu molho meu pau, passo na areia e estupro o target. Bem como as prostitutas do capital estupram o real com seus paradigmas asquerosos.

Enfim - o notebook não está aqui devido à minha decisão de me tornar normal: porque, sem saber muito bem o que é ser normal, decidi me aproximar de uma família que há muito havia esquecido (a minha, é claro). Priminhos em linha de produção, os estabilizadores de casamento. Todos os tios, ao mesmo tempo, ano após ano produzindo mais primos. É claro que eu não saberia o nome de nenhum, mesmo porque eu sou horrorizado tanto pelo que fazem com as crianças para ‘educá-las’ quanto pelo que elas são. E assim levei meu notebook para ensiná-las a baixarem músicas e gravarem CDs. E aí novamente entra a preciosa ironia do Infinito, pois eu estava lá, ensinando crimes a minhas priminhas cristãs, para ser normal. Isso tudo lindo aos olhos da mesma tia que me erradicaria do testamento de adão caso eu praticasse outro crime. E eu, o imbecil, esqueci meu notebook lá.

E eu poderia entediá-los com tsunamis de caminhadas com o avô, passeios com a avô e jantares com tios, mas não o farei.

Eu gosto de respeitar minhas decisões, e isto me custou o notebook num momento catártico. Não seria lá uma grande inconveniência, já que eu possuo outro computador. Com dois teclados diferentes, ambos à prova d’água. E, sempre, estejam atentos a estes sinais minhas crianças, pois nesses vãos reside a arte do Criador: é por isso que nenhuma de nossas piadas jamais poderá se comparar às Dele. Porque a tortuosidade de suas linhas nos promove muito mais em qualquer direção do que qualquer escritor jamais poderia proporcionar (salvo talvez James Joyce): semana passada derramei água (um praticante crônico de sexo, uso de maconha e brigas intermináveis deve sempre ter em mente a hidratação) em ambos os teclados, ao mesmo tempo. E ambos me falharam, como um camponês falharia ao seu senhor vomitando bile por sobre toda a sua plantação de alguma dessas coisas que nascem das sementes e viram comida. Riam, minhas crianças, pois tudo isto que agora vocês lêem foi escrito à mão. E não teria sido perfeito se não fosse à mão – sendo a ortografia este meu grande vilão, o responsável imediato e singular pelo assassinato de minha normalidade, em primeiro grau. Seria esta minha redenção, escreveria à mão e me tornaria normal.

Mas crianças, nosso tempo é curto. Muitas drogas diferentes, lícitas e ilícitas correm por minhas veias neste momento. Não demorará muito até que eu me torne um selvagem inconsciente, e sabe lá deus o que ele escreverá a vocês. Mas ele irá dormir, e amanhã estará oficializada minha busca pela restauração da normalidade. E rezem, meus pobres filhos, para que eu entenda estas palavras confiadas a uma abominação mais incompetente do que qualquer estereótipo de incompetência em uma piada racista de seu bisavô (minha ortografia). Mas fiquem tranqüilos, pois se já estão lendo isto é porque eu entendi ao menos o suficiente.

Aparentemente eu ainda estou funcional demais. Preciso demais drogas. Que são como seios, aliás: quanto mais melhor. Malditas Drogas fracas demais.

- MAIS! Diz o maestro, e por sobre os ares cavalgam as valkírias ao som de sua cavalgada wagneriana, e são elas: mescalina, ácido lisérgico e seja lá o que tiver dentro de um amanita muscaria (o cogumelo vermelho com pontinhos brancos que inspirou Mario Brothers e Alice no País das maravilhas). Isso é droga de verdade. O resto é tão droga quanto a vida é vida perto da arte. O que é o mesmo que dizer, muito pouco. Mas não temam, meus filhos, em seu tempo choverão drogas muito mais potentes e seios muito mais fartos (com implantes muito melhores).

Desejo a vocês a maior sorte em suas futuras empreitadas, e que seja enforcado o último jornalista pelas tripas do último publicitário. Ou, no mínimo, o apedrejamento do último capitalista. E nada de tiros. Foi uma corrida para aumentar o poder do próprio coletivo com relação ao coletivo do próximo que nos levou em primeiro lugar a esta primavera tecnológica no crepúsculo da arte da vida e nos tornou prostitutas em um harém globalizado de um único e inexistente cafetão (O Capital?).

Glória ao infinito e único amigo imaginário,
Amén.

Dr. Voldo

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