sábado, 31 de janeiro de 2009

A Colcha de Retalhos (Quarto e Último Sonho)

CENA 1: na qual o anão Dwalin se associa ao humano em sua longa jornada

É um bar sujo, dentro de uma caverna, com mesas improvisadas sobre estalagmites. Conversas em volume alto, a maior parte dos clientes visivelmente embriagados, há ale derramado por todos os cantos e o lugar fede a uma reação química entre fermentação alcoólica e suor anão.

Entra Dwalin, o anão mercenário conhecido por seus problemas com jogos de azar (não só não pode evitá-los como é, neles, irremediavelmente azarado), depois de um longo serviço bem remunerado) pronto para apostar contra suas chances com qualquer um. Parece alegre, mas sua expressão torna-se de indignação assim que deita seus olhos sobre um humano sentado ao fundo do bar. Aponta para ele e diz:

- Mas que porra é essa? Desde quando animais são permitidos por essas partes?

Aponta para a direta, onde na parede está pendurado um aviso com a ilustração de um homem segurando uma cruz e estuprando uma fêmea, cortada transversalmente por um traço vermelho, logo ao lado de um aviso semelhante com dois elfos, um deles segurando um livro de metafísica.

O Barman, dono do lugar, mostra-lhe um saquinho de couro e deixa-o cair sobre a mesa, evidenciando sonoramente a razão desta exceção. O humano vai em direção ao anão, que saca o machado instintivamente. O humano diz:

- Tenho um negócio a lhe propor, um trabalho. Pago bem.

- Não faço negócios com sua raça. Eu conheço as histórias... a gente faz o trabalho e na hora de receber vocês matam meus filhos pagãos, estupram minhas filhas hereges e fazem minha esposa confessar que é bruxa. E ficam com o pagamento pelas despesas da burocracia eclesiástica. E ai me desterram da minha casa pelas despesas da burocracia judiciária. Não, não.

- Está bem. Você não me deixa outra escolha.

O homem toma um assento e faz sinal de que o está desafiando para um jogo de dados. Todos os anões do bar estão assistindo, e embora Dwalin seja muito estrito quanto fazer qualquer coisa que envolva ele um humano a menos de dois passos de distância um do outro, sem um machado sacado, não pode vencer seu impulso apostador e seu orgulho (afinal de contas, ele não poderia acovardar-se diante de tantos outros de sua raça).

Previsivelmente, o anão vai perdendo tudo o que tem até que resta sem nada.

O homem então diz:

- Porque a gente não faz o seguinte. Eu te dou uma última chance de recuperar tudo o que perdeu, mais tudo o que eu já apostei.
- Mas eu não tenho como te pagar, não tenho mais o que apostar, eu acabei de perder tudo...
- Sim, sim. Este é o ponto. Se você perder esta aposta, eu sei o que eu quero em troca.
- Ah não, não diga que é a virgindade de minhas filhas... por favor, não. Eu já perdi numa aposta a mão da mais nova em casamento e minha esposa não me perdoou até agora... e também-

o humano o interrompe serenemente.

- Nada disso, fique tranqüilo. É o trabalho que eu estava tentando te oferecer, só isso.
- Impressionante [aponta pra um grupo de anões, seus amigos, e continua]. Como vocês me deixam eu me meter nessas coisas, seus incompetentes.

Seus amigos levantam bolsinhas de couro semelhantes às do dono do bar e balançam-nos fazendo soar o tintilhar das moedas.

Dwalin faz um sinal negativo para si mesmo, uma expressão levemente deprimida, mas aceita. E perde.

- Esta bem, então me diga qual é o maldito trabalho que vai acabar me custando a vida de minha esposa e a virgindade de minhas filhas.

O humano, que havia permanecido inalterado até agora, finalmente responde com sem se conter:

- Porra! Dá pra você parar com esse papo, eu não quero estuprar ninguém, eu sou um anarquista vegetariano, eu não compactuo com os governos de meu povo e muito menos com esses costumes barbáricos. Eu luto pela paz e pelo amor sem esperar recompensa, eu sou feliz sem essa promiscuidade criminosa dos outros homens.

Enquanto pronuncia essas palavras parece procurar por alguma coisa em seus bolsos, até que encontra assim que termina de falar: um saquinho contendo um cachimbo, ervas de procedência duvidosa e um palito de fósforo. Acende, traga e faz cara de satisfeito.
Todos estão o olhando com uma expressão de ansiedade e certo estranhamento. Depois do segundo trago, bem dado e segurado dentro de seus pulmões por alguns segundos, ele olha em volta, vê que o estão observando, solta a fumaça e diz:

- O que foi? O que vocês estão olhando?

Dwalin responde alterado:

- O trabalho! Qual é o maldito trabalho?

- Ah, é, o trabalho. Relaxa aí, cara. Daqui a pouco eu te conto, agora eu to tranqüilo aqui no meu cachimbo. Não vamos estragar o momento.

Todos continuam quietos, sem entender muito bem o que se passa, até que acaba a erva que o humano trazia consigo.

- Bom. Acho que temos que ir, meus negócios aqui estão terminados. Vamos anão, eu te explico no caminho.

Dwalin segue, cabisbaixo, xingando deuses para si.



CENA 2: em que os dois viajantes vão em busca do elfo, mas encontram o troll depressivo.

Os dois saem do bar-caverna. Ele está virado para uma via parcamente demarcada com pedras que alonga-se indefinidamente por dentro de uma espessa floresta. Outros estabelecimentos também podem ser vistos na região, próximos a esta via: “W&W Agiotagem”, “Túrion empréstimos” e um galpão colossal com uma placa que simplesmente diz “Compre Aqui em até 12x sem juros”.

Eles seguem pela via em direção à floresta conversando:

- Já dá pra me dizer a missão ou você está ocupado demais curtindo a vista? (num tom sarcástico).
- Olha, eu não sei bem qual é a missão.

O anão faz uma cara de horror

O Humano - Eu sei que eu preciso trazer paz e amor para as pessoas. Mas não sei bem como. É por isso que estamos indo visitar os elfos. Porque eles sabem das coisas.

O anão para aonde está, pálido, e apenas diz:

- Eu preferia quando minha preocupação maior era a virgindade das minhas filhas.

- Relaxa, Dwalin. Você é gordo, ninguém vai querer comer você lá.

- Eu não sou gordo! Eu sou robusto!

- Que seja, lá eles só querem saber de quem é musculoso e nem um pouco gorduroso.

- Eu não sou gordo, seu hippie estuprador!

- Eu não sou estuprador, seu porco ganancioso!

Eles se olham olhos nos olhos por um tempo, numa tensão crescente. Estão às portas da floresta. Uma pedra enorme começa a tomar uma forma de criatura até que se levanta, amedrontadoramente alta e imponente, e diz num tom desanimado, depressivo:

- Que horror imenso... que abuso.. afronta... inominável...

Os dois viram-se para a criatura, que se revela um troll da montanha (estranhamente dormindo na floresta), sem dar um pio.

- Quando eu finalmente durmo vocês me acordam.. Vocês tem idéia do que é ser imortal e ter insônia? A mínima idéia? Eu não conseguia dormir há decênios! Finalmente durmo aqui, longe dos roncos ignominiosos dos trolls da montanha, e vocês me acordam. Eu pretendia ficar aqui por milênios, pra sempre se pudesse! Dormindo por toda a eternidade, longe deste fútil e tedioso mundo...

O astuto humano, aproveitando a oportunidade, responde:

- Mas meu caro troll, a vida é bela! Eu também não sabia disso, era como você... mas existem ervas nesta floresta que podem curá-lo desta insônia! Estamos indo justamente na direção de um elfo que saberá como te curar. Anime-se! Nem tudo está perdido! Venha conosco e restauraremos sua felicidade, seu amor pelo mundo!

Ao que o troll responde:

- Pelo pedregulho sagrado de Ur. Mal acordei e tenho que agüentar essa palhaçada hippie vinda de um estuprador.

- EU NÃO SOU ESTUPRADOR!

O anão responde, virado para o troll:
- eu estou começando a acreditar nisso. Afinal, todo o trabalho que ele teve pra me levar junto com ele pra florestinha élfica, vai saber. Tem gente que é simplesmente podre da cabeça.
O gigante parece desagradabilizado por tudo e todos, e o humano com cara de quem tomou uma importante e muito custosa decisão diz, resoluto:
- Vocês não me deixam outra opção.

Ele tira seu sapato, sua meia, e aparece com mais um saquinho de ervas estranhas, e diz ao troll:
- Esse é meu estoque de emergência cara, você vai ficar me devendo uma.

O humano acende o cachimbo, puxa um monte de fumaça, e espera. O Troll, que começa a acordar pra vida, prepara um bocejo. Assim que o gigante aspira uma grande quantidade de ar, o humano solta a fumaça em sua direção e o troll aspira tudo involuntariamente. Um tremendo de um trago. O troll começa a tossir. Expressa hostilidade na direção do humano, mas volta a tossir. Faz sinal de que está melhor, vai falar e acaba voltando à tosse. E tosse, tosse e tosse. Até que seus olhos ficam vermelhos, sua expressão torna-se relaxada, ele esboça um sorriso e dorme.

CENA 3: na qual os viajantes encontram o sábio e efeminado elfo.

Depois de alguns minutos de caminhada, avistam uma alta montanha. É onde habitam os sábios elfos. Chegando lá, observam que todos os elfos estão nus – alguns fazendo exercícios físicos, outros lutando corpo-a-corpo, outros andando em círculos e discutindo.

O homem sobe em um degrau de pedras e clama em voz alta:
- Levem-me a seu líder!

Os elfos caem na gargalhada. Alguns chegam a verter lágrimas de tanto riso, e uns poucos pareciam até ofendidos. Passados alguns segundos, um elfo baixinho e gordo (que mais parece um anão) vai até eles e lhes explica a situação:
- Veja, caro humano, nós aqui vivemos em uma plena relação de igualdade. Somos todos cidadãos de igual valor, não temos líder.

Ao que responde o humano
- Vocês também são anarquistas? Mas que bela notícia!

- Não, não, seus idiotas. Vivemos em uma democracia. Todo dia quem quiser participar das decisões vai para aquela sala e a decisão é tomada.
O humano:
- Ah, entendi. Aí vocês brigam nus e quem vencer decide...
E o anão:
- Não, olha pra esses caras.. eles não brigam.. acho que é mais como os leilões de machados que tem na minha cidade.. todos falam ao mesmo tempo, ninguém tem um puto pra comprar nada... eventualmente alguém ganha, o cara com mais resistência ao tédio, sei lá.
E o elfo:
- Olha, eu estou perdendo a paciência. O que vocês querem aqui?
O humano :
- Eu quero trazer a paz para o meu povo. Mas eles estão doentes.. todos, quase todos. Sofrem de dores, febre, inchaços, vômitos... manchas azuis em suas peles... até que morrem.
O elfo:
- Hum. Isto parece interessante. Hylas, Philonous, venham aqui meus pupilos.

Em sua direção correm dois belos jovens amantes do elfo gordinho e baixinho, que estavam discutindo ardentemente se é o Oceano azul porque reflete os céus ou se são os céus azuis porque refletem o oceano.
O elfo diz a eles:
- Meus queridos, quero que vocês partam com esses brutos aqui em sua jornada. Lembram-se de quando o Yersinikos estava supondo que se uma uma pulga cujo sistema de alimentação estivesse obstruído após a replicação acabasse por portar uma bactéria de algum roedor sujo isso poderia causar uma epidemia desta bactéria, devido às leis comportamentais previstas por Skinerião? Pois ela sairá freneticamente tentando alimentar-se infinitamente sem sucesso algum, infectando todos no caminho. Mas nunca conseguimos provar empiricamente tudo isso, e estes heterossexuais sujos vivem em meio a ratos, excrementos, mênstruo e sabe lá deus mais o que. É perfeito. Quero que vocês levem suas bolsas medicinais, para qualquer eventualidade, e não se esqueçam da estreptomicina. Ah, e isolem o local com vinagre por favor. Não vai pegar bem se vocês voltarem pra cá com essa doença de animal sujo. Fora que o sexo nunca mais vai ser o mesmo.

E, enfim, o elfo gordinho, que agora se revela o gordinho estrangeiro no bar cartesiano do outro sonho, brada:
- Vão, minhas crianças!

CENA 4: Na qual o grupo parte para a Cidade dos Homens para curar a humanidade da peste negra

Os elfos encaminham o anão e o humano ao seu veículo de transporte. É na verdade uma esfera luminosa.

Philonous - Eis, meus caros bárbaros, o Nous.

Anão - O que é isso?

Hylas- Um veículo de transporte.

O Homem - Sim, sim, foi o que o narrador disse. Você não pode fazer esse tipo de coisa, pega mal.

Philonous – mas é isto que ele é, seus animais.

Humano – Ta, então como funciona.

Hylas – ele nos transporta para o lugar aonde queremos.

Anão – Eu vou socar esse palhaço se ele continuar me provocando, não tinha nada a respeito de não arrebentar a cara de elfos na nossa negociação.

Philonous - (em tom de escárnio) – ó, olhem para mim, meus ossos são largos, eu sou forte e malvado e tenho pau mais grosso que o elfinho! Escuta, se você é tão macho, entra no maldito Nous e veja você mesmo como funciona.

O anão caminha em direção à esfera resoluto e de nariz empinado; e então desaparece.

Hylas diz: não que é o Skinerião tava certo mesmo... essas leis comportamentais funcionam muito bem.

Humano – pelos direitos dos animais, o que vocês fizeram com o pobre porquinho?

Philonous – nada, não se preocupe. Ele estará são e salvo em nosso destino, a suja e fedorenta selva de concreto que vocês tem por lar.

Hylas – é... mas como a gente não ligou a força, ele provavelmente vai chegar um pouco atrasado e... com o aspecto físico de uma pessoa mais velha. Bateria reserva, sabe... a esfera funciona em modo de segurança, gasta menos energia, etc. Ele terá envelhecido alguns anos.

Philonous vai a uma alavanca presa a uma pedra logo ao lado da esfera, puxa ela, a esfera luminosa aumenta em brilho e os elfos caminham em direção a ela. O humano parece desagradado pela situação, e não vai. Olha em volta, percebe alguns elfos discutindo entre si, aquele primeiro gordinho particularmente exaltado:

- Essa história de comer os meninos não está certa, Aristópolis. Porque veja, eles serão cidadãos, como nós. E todos aqui sabemos que o moleque acaba sendo mais um espectador do prazer do mais velho, de nós, ou vocês, no caso, do que um igual. Ele faz o papel da mulher, nos nossos termos. Afinal, somos muito fálicos culturalmente. Toda essa coisa do poder, do controle e do conhecimento de si, sabe gente.

Alguns cidadãos jovens parecem concordar profundamente, outros parecem ofender-se um pouco; a maior parte dos mais velhos parece não só profundamente magoada como apontam para uns elfos mais robustos que vão em direção ao elfo que falava e levam-no para tomar cicuta.

O humano olha de novo para a esfera e ela já lhe parece mais atraente, então ele entra antes de ouvir mais horrores. Aparece automaticamente ao lado dos elfos, que lhes aguardavam discutindo como de costume:

Hylas – Mas Phi, nada consegue ser mais denso que si mesmo.

Philonous – Você é tontinho. A mesma coisa pode estar em estados diferentes e com outra densidade, né. Um gelo boiando, por exemplo... você perdeu quantos drácmas nessa aposta com o arquimedes?

E são interrompidos pela chegada do anão, que olha para eles, olha para si mesmo um pouco assustado, percebe que suas longas barbas estão esbranquiçadas; passa a mão em seu rosto, olha-se mais atentamente e percebe-se mais senil. Ele olha em volta, para as enormes construções de pedra, para os mortos soltos nos cantos, os carregadores de cadáveres, o fedor, o horror. Ele então vira-se para o resto do grupo novamente e diz:

- Pessoal. Vai ser difícil de explicar isso,mas eu acho que viajei no tempo. Lembram-se de quando íamos salvar o país humano e tudo mais? Há muitos anos talvez, não sei quantos... mas ... eu não me lembro de mais nada depois disso, só que estou aqui.. Mas acho que falhamos na nossa missão, ao julgar por onde estamos agora, então devo ter sido enviado para avisar-los de alguma coisa terrível.

O anão para e faz uma cara de desespero e quase começa a fugir na direção contrária, mas o homem o interrompe.

– era um defeito da maquina deles, seu porco ganancioso. Olha, ela transportou a gente para a minha terra, só que por alguma bizarrice da máquina deles seu corpo envelheceu. Nada mudou. Continuamos todos no presente.

O anão – Ufa. Porra. Estava começando a achar que alguém pudesse já ter descoberto o local secreto do meu baú de ouro...


CENA 5: Na qual tudo faz sentido

Toca uma musiquinha irritante, dobrada, vindo dos bolsos traseiros das túnicas dos elfos. Ambos largam as bolsas com os suprimentos médicos e saem correndo de volta. O Anão e o Homem voltam-se imediatamente para um incêndio espontâneo na grama, logo ao lado de onde pisam: em chamas, eles podem ler: Laylah.
O humano passa a mão na testa, olha em volta, e vai em direção às bolsas médicas. Toma tudo o que não sabe o que seja, na esperança de drogas mais avançadas que os elfos poderiam ter desenvolvido.

O anão, horrorizado, senta-se ao seu lado e diz : eu estou velho demais pra essa porra, ta ligado?

Então faz sinal com as mãos e pede uns remédios aleatórios para si.

Enquanto esperam que alguma coisa faça algum efeito perceptível, em silêncio, passam dois senhores, um deles de bata e o outro com roupas de camponês; cumprimentam-nos com a cabeça e seguem em frente. Até que percebem que o homem de bata conversa com uma criancinha e começa a penetrá-la com seu membro não circuncidado. O camponês vê uma fêmea genérica passando e decide estuprá-la.

O anão diz: acho que ta batendo, e to na bad trip.

O humano responde: não, ainda é muito cedo para o efeito de qualquer coisa. É assim que as coisas funcionam neste bairro, mas lá no bairro ao lado é muito diferente, são todos civilizados e razoáveis.

Eles esperam em silencio por alguns minutos, até que o humano faz expressão de horrorizado e diz, descomedido: I’m in the middle of a fucking reptile zoo!

O anão sabe que é mais resistente, mais pesado e que demorará mais para absorver as substâncias que o outro ingeriu, mas parece preocupado.

Logo em seguida, ambos se vêem cercados por monstros horríficos dançando de forma muito inapropriada e, vindo em sua direção, uma branquela de cabelos negros que não podia ser senão Laylah.

Eles são automaticamente enfeitiçados por ela, seguem-na quase involuntariamente, embora talvez o tivessem feito muito de bom grado o que torna muito difícil saber se há alguma distinção entre isso e um feitiço.

Acordam, e estão na sala de Laylah. No chão, um alçapão aberto, enorme. Uma escrivaninha, uma cadeira, um computador. Na parede, um belo quadro com a imagem de Aleister Crowley. Ozzy Osbourne ressoando ao fundo. Olham pelo buraco e percebem que há um monstro colossal conversando calmamente com Hylas, este com um tapa olho, e Philonous, sobre coisas que para o anão e o homem não faziam o menor sentido:

Cthulhu: é simples, meus caros. Imaginem o espaço e o tempo visualmente como duas dimensões, que são dobradas pela atração entre os corpos. Agora imaginem que há uma massa inimaginável e que, por razões irrelevantes agora, a curvatura gerada por esta massa ao invés de comportar-se como deveria, ou seja, simplesmente atraindo matéria para um ínfimo ponto de concentração e massa fenomenais, ela transporta a matéria que atrai de um ponto a outro, provavelmente, como uma espécie de cone espelhado.

Philonous: Mas como seriam geradas tais anomalias em um buraco negro?

Neste ponto, são interrompidos: Voldo, correndo em uma velocidade impressionante, trombando com diversos objetos no caminho e com uma série de buracos de sua máscara preenchidos por cilindros fumáveis diferentes, vai direto à fenda no chão e mergulha de cabeça e cai de pé e. Diz:

- Cheguei tarde pessoal?

Cthulhu: não, imagine. Você é bem vindo aqui a qualquer hora, seu trambiqueiro filho da puta.

O monstro tira do bolso uma colar de ouro com um rubi incrustrado e dá a ele. Voldo salta para fora do buraco com facilidade inumana, e, ao mesmo tempo, Laylah entra por detrás das cortinas de seu palco. Voldo arremessa para ela o Colar e vai devagar em direção a ela. Ela fica feliz com o colar, mas desagradada pela presença de Voldo. Ainda assim, faz sinal para ele e vão para trás das cortinas.

Voldo para logo antes de entrar e aumenta o volume da música, que a este ponto está no solo.

Já na fenda de dentro do quarto de Laylah a discussão não é mais a mesma:

Hylas: como é que é? O Voldo convenceu você a apostar com ele esse colar se ele conseguisse trazer algum ser deste planeta que entendesse de física quântica para ser jogado a você como comida pela Laylah no intento de matá-la e tornarem-se deuses?

Cthulhu: precisamente. Mas você não parece entender muito disto, então, você é minha comida. O outro é meu entretenimento. Além do mais, eu não gostava deste colar mesmo, mas porque não roubá-lo se me foi dada a oportunidade, não é?

E devora Hylas. Volta-se para Philonous e diz, tranquilamente: aonde estávamos?

Philonous, com absoluta naturalidade: eu queria entender melhor esses buracos negros anômalos aos quais você se referia. Mas antes, porque diabos o voldo queria este colar?

Cthulhu: ele apostou com a Laylah que conseguia o colar de volta, e, se conseguisse, ela daria para ele as instruções e os reagentes necessários para a produção da droga dos deuses, que fez o próprio Jeová chorar de júbilo.

Philonous: e porque um humano teria todo este trabalho por uma droga?

O homem e o anão já não nutriam mais nenhum interesse por aquela conversa desde a primeira sentença e a esta altura estavam sentados cada um em um canto, quietos e com cara de ressaca. Mas o homem havia instintivamente prestado atenção nesta parte, comovido pela beleza do prêmio conquistado por Voldo, diz a eles lá em baixo:

- Eu o teria feito também. Alias, foda-se a paz. Foi um prazer, caro anão, mas quando o Voldo for embora vou tentar conseguir alguma coisa pra mim, ou pelo menos as instruções necessárias...

O anão começa a ficar preocupado com sua sobrevivência e arranca de lá o mouse e o teclado do computador do quarto como as coisas mais parecidas que pode encontrar com uma arma e um escudo. Diz:

- E eu vou embora já.

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